Como é de praxe na economia, vamos simplificar a realidade para facilitar a compreensão dessa relação. Pelas limitações de tamanho e profundidade do artigo, a nossa economia hipotética será igualmente restrita, visando apenas a apresentar uma linha de raciocínio de forma simples e clara. Para tal, iremos supor uma economia fechada, na qual o valor do PIB equivale ao valor da renda total. Em nossa economia hipotética, serão 1000 pessoas aposentadas para 2000 pessoas na PEA. Assim, partimos do pressuposto de que a relação entre aposentados e população economicamente ativa (PEA) seja de 1:2. Essa relação aproxima-se à estimativa do IPEA para 2060, que é de 1,6 pessoas trabalhando para cada pessoa aposentada. Além disso, vamos sugerir que todas as pessoas recebam valores iguais de salário, que irá representar o nosso salário médio ou PIB per capita. Para facilitar o cálculo, vamos supor que esse valor seja, inicialmente, de 1000 reais por mês.
A partir desse cenário, considerando o sistema atual de repartição simples, um trabalhador que produz o equivalente a 1000 reais por mês deverá contribuir com 500 reais mensalmente para a previdência, para garantir que cada pessoa aposentada mantenha um salário equivalente ao que recebia quando estava no mercado de trabalho. Como possuímos 2000 trabalhadores, nosso PIB mensal será de 2.000.000 reais, sendo igual ao valor disponível para consumo. Vamos ignorar o fator preocupante de que o trabalhador está abrindo mão de 50% de seu valor disponível para consumo exclusivamente para a previdência. Há também outros tributos, mas seu valor neste cenário não é relevante e serão ignorados. O mais importante é considerarmos que, neste caso hipotético, não há disponibilidade de poupança no sistema financeiro – uma simplificação que visa a simbolizar um valor muito baixo de poupança.
O aparente equilíbrio inicial em nossa economia, logo, jamais poderia se manter no longo prazo. No cenário apresentado, note que a totalidade do dinheiro disponível está sendo alocado na forma de consumo, o que significa que não é possível fazer qualquer tipo de investimento. O investimento não é necessário apenas para aumentar a capacidade produtiva, mas também para sua manutenção. Ao longo do tempo, a capacidade produtiva, atualmente estagnada, passará a reduzir, uma vez que os equipamentos, máquinas e infraestrutura começam a se desgastar e tornar-se menos eficientes. Isso quer dizer que os salários começarão a diminuir, visto que refletem o valor da produção per capita. Digamos que a produção caia 10%, para fins de cálculo, e o salário médio atual seja de 900 reais. Contudo, perceba, os aposentados não recebem um valor equivalente à produção atual, mas sim à produção de quando ainda estavam no mercado de trabalho. Isso significa que os 1000 aposentados ainda recebem uma pensão equivalente a 1000 reais por mês. Para manter a sustentabilidade do sistema, é necessário que os trabalhadores continuem abrindo mão de 500 reais do próprio salário, o que significa uma proporção maior do que era anteriormente.
Apenas essa parte inicial do nosso exemplo deve ter deixado claro a insustentabilidade da previdência no longo prazo, mas vamos continuar com o nosso exemplo, supondo que o governo, sabendo dessa crise iminente, insiste em fazer pequenas modificações no sistema para torná-lo “sustentável”. Afinal, essa é exatamente a postura do governo brasileiro desde a implementação da primeira reforma.
Assim, continuando nossa história, os trabalhadores agora contribuirão com mais de 55% dos seus salários para a previdência, para que totalize 500 reais, e provavelmente se aposentarão mais tarde, o que não impacta na quantidade atual de aposentados ou de população economicamente ativa. Dessa forma, note que o PIB atual da nossa economia é de 1.800.000, assim como nossa capacidade de consumo. Isso demonstra que entramos em recessão, e enquanto esse processo continuar, o PIB permanecerá decrescendo até a economia exaurir completamente.
Na prática, esse processo possui um limite. O governo pode não querer abrir mão da previdência, mas certamente não irá, tampouco, ignorar essa crise iminente. A recessão levará à pobreza, empresas deixarão o país e haverá desemprego. Note que, até agora, no nosso exemplo, consideramos que a totalidade da PEA estava empregada, o que possibilitava – junto a diversas outras simplificações – um aparente “equilíbrio” entre oferta e demanda. O governo, insistindo em seus maus hábitos, precisará resgatar a população e as empresas em processo de falência. Surge em nosso cenário de crise uma mente brilhante construindo um novo paradigma econômico, sugerindo que o governo deve gastar acima de sua capacidade para promover o investimento e suprir a demanda, recuperando a economia. Mais uma vez, não há poupança para sustentar esse investimento, de forma que o governo utilizará a última arma que lhe resta: a impressão monetária, que fará o papel do “dinheiro artificial” da década de 30.
O investimento irá recuperar a infraestrutura produtiva, os gastos irão elevar a demanda e as empresas retornarão em polvorosa, acreditando que nossa economia representa um bom investimento e crescerá mais no futuro. Isso significa que teremos toda a nossa PEA trabalhando com o máximo de sua capacidade produtiva, novamente produzindo o equivalente a R$ 2.000.000. Contudo, dessa vez, o consumo não se limita a esse mesmo valor, pois o governo bombeou dinheiro na economia, e a necessidade de resgatar a população significa que nem todo esse valor foi alocado em investimento. Se fosse, como vimos anteriormente, como não havia lastro de poupança, haveria uma produção acima da capacidade de consumo e a recessão retornaria.
Vamos supor que, para recuperar a economia, o governo bombeou 1.000.000 reais na economia, que se tornou dinheiro circulante. Isso quer dizer que o nosso dinheiro para consumo é de, agora, 3.000.000 reais, enquanto nossa capacidade produtiva é de apenas R$ 2.000.000. O salário médio se eleva para 1500. Como há mais disponibilidade de consumo do que oferta, as empresas elevarão os preços para evitar o desabastecimento, até que seja necessário consumir todos os R$ 3.000.000 para adquirir R$ 2.000.000 em produtos, formando o que chamamos de inflação, ou desvalorização da moeda.
Mesmo saindo de nosso exemplo simplificado, as consequências do endividamento e da inflação são bem conhecidas. Como ocorreu durante a crise do Estado de Bem-Estar nos anos 70, a inflação irá se retroalimentar até se tornar descontrolada, e o investimento do governo deixara de ter efeito uma vez que as empresas perceberem que não há demanda reprimida para sua produção. Incapaz de pagar as suas dívidas pois o crescimento econômico não superou o investimento, o risco país da nossa economia irá se elevar e as empresas irão embora, causando desemprego e forçando o país a elevar a taxa de juros para controlar a inflação e atrair investimento externo. O resultado é uma estagflação – inflação com estagnação econômica.
A partir do exemplo simplificado, demonstramos como o desequilíbrio entre poupança e investimento, ceteris paribus, impossibilita tanto o crescimento econômico quanto a sustentabilidade da previdência. Vamos supor, por outro lado, que o trabalhador não transfere dinheiro para a classe aposentada, mas sim transforma o mesmo valor em poupança e o valor é alocado na forma de investimento. Como há poupança, há sinal real que que existe riqueza suficiente na sociedade para compensar os investimentos, assim que haverá um crescimento real da capacidade produtiva.
Mais importante, o investimento natural, que não é forçado pelo governo, é a ferramenta que verdadeiramente atua na produção de riqueza. Isso se deve ao fato de que, por se sustentar em riqueza real (poupança), o investimento irá valorizar a moeda ao invés de inflacioná-la. Vamos demonstrar isso novamente por meio de nosso exemplo: em nossa economia inventada, desta vez, os trabalhadores irão direcionar R$ 500 reais – metade de sua renda – para a poupança. Esse valor não permanecerá parado. Ao invés disso, ele será transformado em investimento. Supondo que as empresas aloquem esse dinheiro de forma rentável, como geralmente é o caso, elas terão um aumento de produtividade superior ao valor investido. Vamos supor que essa rentabilidade foi de 20% para um investimento total de R$ 1.000.000, assim que o PIB do país irá se elevar de R$ 2.000.000 para R$ 3.200.000. Como a mão de obra permanece a mesma, quer dizer que esse aumento de produtividade foi real, ou seja, cada trabalhador agora é capaz de produzir 20% a mais do que era antes.
Isso significa que o rendimento dos trabalhadores não é mais de 1000 reais, mas sim de R$ 1600. No nosso exemplo, cada trabalhador contribuiu apenas uma vez com 500 reais, totalizando o investimento de R$ 1.000.000, mas o aumento no rendimento será de 600 reais por mês. Perceba que esse investimento elevou nossa oferda disponível de R$ 2.000.000 em produtos para R$ 3.200.000. Fisicamente, a princípio, esse valor monetário não existe para consumo, demonstrando que, na ausência de medidas governamentais, haverá deflação, pois as empresas precisarão abaixar o valor dos produtos até que os R$ 2.000.000 em circulação sejam capazes de consumir todos os R$ 3.200.000 em produtos. Na década de 30, também houve um aumento de produção acima do valor monetário existente em circulação, forçando os preços para baixo. Contudo, naquele contexto, como o investimento não tinha lastro em poupança, a queda nos preços não acompanhou um aumento equivalente de demanda, levando as empresas à falência.
Como a deflação possui efeitos danosos no longo prazo tanto quanto a inflação, vamos admitir que houve emissão de moeda, que dessa vez não se transformará em dinheiro artificial, pois terá lastro em um aumento real de riqueza. Ou seja, essa emissão será apenas uma compensação para que uma deflação não ocorra, mantendo o valor do dinheiro estável enquanto ocorre o processo de crescimento econômico. Caso considerássemos uma economia aberta, poderíamos também trabalhar com a taxa de câmbio, uma vez que os produtos excedentes poderiam ser exportados ao invés de apresentarem baixa de preços, enquanto as exportações aumentariam as reservas de moeda internacional, valorizando a moeda nacional e elevando o poder de compra da população. Contudo, para evitar complexidades adicionais na análise, vamos nos ater ao modelo de economia fechada.
A partir desse exemplo, demonstramos como o investimento e o aumento da produtividade são essenciais para tornar a previdência sustentável. Essa conclusão, na verdade, não é nova. As análises da Allianz (2023) demonstram que “um sistema de previdência mais sustentável e adequado está ao nosso alcance – se um forte pilar financiado por capital estiver em vigor”. Esse pilar financiado por capital se trata, justamente, de investimento. Isso significa que as contribuições dos trabalhadores e empregadores são investidas em ativos financeiros para gerar retornos ao longo do tempo. Esses retornos, juntamente com as contribuições, formam um fundo que é utilizado para pagar as aposentadorias no futuro. A questão mais importante é que a previdência apenas será sustentável quando houver investimentos que agregam valor produtivo para o futuro, quando as pensões serão pagas, de forma que haja lastro para o aumento da riqueza.
Algumas experiências tanto nacionais quanto internacionais já foram desenvolvidas considerando a correlação entre investimento e poupança. Dentre eles, a experiência norueguesa. O Fundo Global de Pensão do Governo da Noruega é abastecido com parte das receitas do setor petrolífero e utilizado para investir em uma variedade de ativos, tendo por objetivo sustentar os encargos previdenciários do país. O sistema previdenciário do Chile é similar, baseado em um modelo de capitalização individual. Os trabalhadores depositam ao menos 10% de seu salário em fundos que são geridos pelas Administradoras de Fundos de Pensão (AFP) e podem também ser investidos em diversos ativos financeiros, tendo por objetivo acumular um montante suficiente para garantir a aposentadoria no futuro.
A experiência brasileira, apesar de ter fracassado perante sua má administração, também demonstrou um desenho condizente com essa realidade. Os IAPs, criados durante o Governo de Getúlio Vargas, utilizavam o valor das aposentadorias para investir em infraestrutura e moradia, de forma que os valores arrecadados com o financiamento destes imóveis seriam direcionados para bancar os encargos previdenciários. A negligência do banco gestor levou à inviabilidade do sistema, que poderia ter sido facilmente sanada a partir da inclusão de uma lógica mais preocupada com a rentabilidade dos investimentos, incluindo pela gestão compartilhada dessas entidades gestoras.
É importante ressaltar que o pilar financiado por capital não é o único elemento importante a ser inserido no sistema de previdência, especialmente devido à necessidade de promover o crescimento econômico sustentável. Em 2025, o Congresso Nacional estima que os gastos com a previdência irão ultrapassar a marca de 1 trilhão de reais – mais de 9% do PIB. Um crescimento de 9% para sustentar o pagamento integral da previdência seria muito acima do crescimento da China (5%), para fins de comparação. Dessa forma, nota-se que meramente sustentar a previdência sobre o crescimento produtivo, na prática, poderia não ser suficiente. Mesmo a Noruega, por exemplo, que utiliza um pilar financiado por capital em sua previdência, ainda está no processo de tornar a aposentadoria da população totalmente autossustentável.
O documentário da Netflix “Explicando… Dinheiro”, em seu 5º episódio, sugere a construção de 4 pilares para assegurar a aposentadoria. Além da Previdência Social, existem as pensões, a poupança privada e, mesmo somando todos esses pilares, ainda se admite a necessidade de que, para manter a qualidade de vida, os aposentados ainda precisarão depender, em parte, de um apoio familiar ou de sua comunidade. É possível separar esses pilares entre dois subgrupos: o dinheiro cuja origem é um investimento ou reserva feitos no passado e aquele que provém de repasses atuais, retirados de terceiros. Isso significa que, para preservar a qualidade de vida de um aposentado considerando o aumento da expectativa de vida, é inevitável que haja algum gasto contributivo, ainda que complementar. Não é de se espantar, logo, que a conclusão de que as pessoas precisarão trabalhar por períodos de tempo mais longos esteja se aproximando cada vez mais de um consenso.
De fato, talvez uma reestruturação do mercado de trabalho seja necessária para sustentar as mudanças demográficas. É necessário reduzir a informalidade, garantindo que o máximo da força de trabalho contribua com a poupança nacional, uma vez que todos acabarão por desfrutar dela no futuro. Outra mudança inevitável será o aumento da idade mínima para aposentadoria, em parte pelo aumento da expectativa de vida e, em parte, pelo crescimento do período de formação acadêmica. Hoje, os jovens passam um tempo maior se capacitando antes de entrar no mercado de trabalho, o que eleva a produtividade – em teoria – mas também reduz o período de contribuição. Além disso, se precisaremos trabalhar por mais tempo, é possível que haja pressão por parte da população ativa para que o tempo de trabalho seja menos exaustivo, de forma que projetos como a redução dos dias úteis semanais se tornem pautas mais populares, provocando uma queda de produtividade que deverá ser compensada com investimento em infraestrutura e PD&I.
O debate a respeito da previdência está longe de encontrar o seu fim. As mudanças na sociedade, sejam econômicas, demográficas ou sociais, ainda irão provocar inúmeras alterações tanto no que a população considera imprescindível em um sistema de aposentadoria como também nas ferramentas que teremos à disposição para tornar esses desejos realidade. O único fator que permanecerá sendo realidade desde agora até esse futuro distante, é o fato de que será necessário plantar agora os pilares da previdência que pretendemos colher no futuro.
*Nicole Alvim é estudante de Graduação em Gestão Pública na Fundação João Pinheiro e membro do Grupo de Estudos Estado e Liberdade (ELIB) da instituição.