Uma entrevista concedida em 2024 por Uwe Schneidewind, prefeito de Wuppertal (cidade de médio escalão na Alemanha), oferece muito a ser analisado. A trajetória de Schneidewind da academia para a prefeitura destaca um dilema universal de governança: transformar ideias em ação. Refletindo sobre sua experiência, ele aponta imediatamente para o que chama de avassalador “poder do não”, referindo-se a como facilmente o progresso na administração pública pode ser paralisado por grupos que simplesmente o vetam.
Este não é um problema exclusivamente alemão. Reflete uma distorção cada vez mais comum nas democracias. Por que não conseguimos construir? Porque o que uma pessoa chama de burocracia, outra chama de accountability (responsabilização). O resultado é um impasse, especialmente quando paramos de reconhecer trade-offs e ficamos presos em uma democracia consultiva que carece da capacidade para ação decisiva. Isso frequentemente ocorre quando líderes evitam o custo político de assumir riscos.
Schneidewind elabora sobre isso e introduz um conceito poderoso: irresponsabilidade estrutural. O que ele quer dizer com isso? É a ideia de que múltiplos atores podem bloquear projetos com quase impunidade porque há virtualmente nenhum custo pessoal em dizer “não”. A administração pública, ele argumenta, está presa em uma estrutura de incentivos perversa. As instituições penalizam a iniciativa, mas não a inércia. É mais fácil punir iniciativas que dão errado do que reconhecer o custo de não fazer nada. Há abundantes “freios e contrapesos” (checks and balances) em vigor, mas nenhum mecanismo que forneça a energia necessária para superar bloqueios.
Então como superar a irresponsabilidade estrutural? Os sistemas brasileiros lutam para promover ação necessária, e como resultado, todos ficam para trás. O que se precisa é de um motor institucional para contrabalançar procrastinação, timidez e cautela excessiva. Como isso poderia ser? Chamemos de protocolos de progresso: medidas como prazos definidos para decisões, gatilhos automáticos de avanço de projetos, responsabilização por omissões, e sistemas de reconhecimento para iniciativa. Deve-se complementar freios e contrapesos com motores e aceleradores, garantindo não apenas limites ao poder, mas também o impulso para implementar políticas. É assim que se começa a desmantelar a irresponsabilidade estrutural.
Schneidewind também oferece uma visão crítica (embora sutil) dos insiders (grupos internos estabelecidos). Como alguém transplantado para a política local, ele expõe como sistemas fechados fomentam pensamento de grupo e clientelismo. Ele observa que diferentes facções se especializam em bloquear iniciativas porque isso se torna uma moeda de troca para distribuir assentos em conselhos ou sinecuras. Isso cria o que ele chama de redes de mediocridade. O que mais ressoa, contudo, é sua experiência de construir energia de realização (go-energy). Ele argumenta que a reforma bem-sucedida depende de cultivar uma cultura proativa enraizada em confiança. Planos são importantes, mas não suficientes. Criar narrativas convincentes, ele insiste, é essencial para o sucesso da reforma.
Acima de tudo, Schneidewind sublinha que reverter a maré requer um núcleo forte de liderança. Ele chama isso de um “conselho de administração” (verwaltungsvorstand): uma equipe empoderada para estabelecer objetivos comuns, coordenar trabalho interdepartamental e manter momentum mesmo quando a política externa fica confusa. É um lembrete vívido de que toda ambição, desde entregar habitação popular até implementar infraestrutura verde, depende de equipar uma equipe de liderança capaz de levar projetos até a linha de chegada.
Lendo isso, a convicção é de que diagnosticar pontos de veto e confusão procedimental é apenas metade da batalha. O desafio real é construir protocolos de progresso, o músculo cultural e estrutural para dizer “sim” mais frequentemente. Isso significa recrutar de caminhos diversos, construir diversidade cognitiva, empoderar uma equipe sênior coesa, e contar uma história convincente. A experiência de Schneidewind oferece um roteiro para qualquer um que lute com inércia institucional: nomeie os bloqueadores, elabore a narrativa, abra as portas, e confie em liderança audaciosa para tornar o progresso possível.