*Letícia Porto Moreto
A desigualdade social brasileira costuma ser explicada por fatores como renda, acesso à educação e oportunidades de trabalho. Porém, há um elemento menos discutido, mas igualmente determinante: a preferência temporal. Conceito central na Escola Austríaca de economia, a preferência temporal mede o quanto valorizamos bens e benefícios no presente em relação ao futuro. Em outras palavras, indica se estamos dispostos a abrir mão de prazeres imediatos para obter ganhos maiores lá na frente.
Hans-Hermann Hoppe, em Democracia, o Deus que Falhou (2001), e o cientista político Edward C. Banfield, em The Unheavenly City Revisited (1974), sustentam que a forma como indivíduos e grupos lidam com o tempo influencia diretamente seu destino econômico e social. Para eles, não se trata apenas de uma escolha consciente, fatores biológicos, culturais e institucionais moldam essa inclinação. No Brasil, onde parte significativa da população vive com alta incerteza quanto ao futuro, compreender essa teoria é essencial para propor soluções que realmente quebrem ciclos de pobreza.
Na economia, a ideia de preferência temporal já aparece em Irving Fisher (1930) em The Theory of Interest, ele relaciona a taxa de juros à inclinação que os indivíduos têm por consumir no presente ou poupar para o futuro. A ideia básica é que essa preferência orienta decisões fundamentais de investimento e consumo ao longo do tempo. Pouco depois, John Keynes (1936), em The General Theory, argumenta que a “propensão a consumir” também tem relação com a confiança que as pessoas têm no futuro, o que afeta diretamente sua disposição de poupar ou gastar no presente. No Brasil, embora o termo “preferência temporal” seja menos usado, conceitos semelhantes aparecem em estudos sobre desigualdade e comportamento econômico, o economista, Fernando de Holanda Filho, traça correlações entre insegurança econômica e menor propensão a poupar uma versão local da ideia de que o futuro incerto estimula o consumo imediato. Luiz Carlos Bresser-Pereira, também economista, propõe reflexões sobre institucionalidade e desenvolvimento, ressalta como crises frequentes e fragilidade das instituições enfraquecem a confiança das pessoas no amanhã o que se conecta à alta preferência temporal em contextos de vulnerabilidade.
Ao entendermos a teoria das preferências e como o cenário econômico no tempo determina o consumo do indivíduo, iremos analisar brevemente o Brasil. O país apresenta uma expectativa de vida ao nascer atualmente em torno de 76 anos, mas com grandes diferenças regionais e socioeconômicas, nas regiões mais pobres, essa expectativa pode ser vários anos inferior. As taxas de poupança das famílias brasileiras são historicamente baixas. Dados recentes do IBGE e do Banco Mundial revelam que apenas cerca de 30% das famílias brasileiras possuem algum hábito de poupança, e essa porcentagem é significativamente menor nas classes de renda mais baixa. O IPEA destaca que a insegurança social e econômica influenciam diretamente o comportamento financeiro das famílias brasileiras, perpetuando um ciclo no qual o tempo deixa de ser um ativo acumulável.
Embora alguns autores enfoquem fatores biológicos e culturais como determinantes da preferência temporal, é importante destacar que ela não é uma característica imutável. Pesquisas em economia comportamental mostram que a preferência temporal pode ser moldada por experiências, educação e políticas públicas eficazes. Programas que incentivam a poupança, educação financeira e estabilidade institucional podem ampliar o horizonte temporal dos indivíduos.
Críticas ao determinismo biológico e social ressaltam que a preferência temporal elevada em populações vulneráveis não deve ser vista como um “defeito” cultural, mas como uma adaptação racional a contextos adversos. Por isso, mudanças estruturais, como combate à pobreza, melhoria da educação e fortalecimento das instituições, são essenciais para criar ambientes que favoreçam a projeção de futuro e o investimento.
Compreender a preferência temporal como um fator central da desigualdade brasileira é fundamental para ir além das análises convencionais baseadas apenas em renda e educação. O tempo enquanto recurso e ativo revela-se profundamente desigual, impactando diretamente a capacidade das classes mais vulneráveis de planejar, poupar e investir no futuro. Sem ampliar o horizonte temporal dessas populações, reformas econômicas e sociais tendem a ter impacto limitado e efêmero. Portanto, o desafio brasileiro está em construir um ambiente de segurança, confiança e oportunidade que permita a todos valorizar e utilizar o tempo como um ativo transformador.