*Rodrigo Schmidt
Os universitários têm medo de perguntar. Temem a exposição e as possíveis consequências. Um dos valores mais fundamentais da democracia liberal, o livre debate de ideias está em ruína. Como propõe Frank Furedi, esse colapso não ocorre por acaso. Ele desenvolve a ideia de que “engenheiros sociais” vêm modificando os processos de socialização e os fundamentos da moral, com o objetivo de substituir valores considerados retrógrados e ultrapassados por outros que promovem a chamada “tomada de consciência”.
Essa proposta não se limita ao comportamento de alguns pensadores; ela é, quase, um _ethos_ que transcende ideologias e abordagens disciplinares. Da pedagogia ao direito, o objetivo é claro: romper com a tradição, substituir valores herdados por princípios técnicos e científicos, e politizar a vida social em sua totalidade.
O ambiente universitário brasileiro contemporâneo é, em parte, produto desse projeto. Em muitos cursos, essa hegemonia moral já se consolidou. Tornou-se infrutífero qualquer debate que não inclua uma crítica explícita aos valores do “Homem branco Europeu”. Nesse contexto, o conhecimento parece perder seu valor intrínseco: qualquer proposição que não se submeta à crítica ideológica dominante é rapidamente descartada.
É notável como essa compulsão por criticar e abandonar a moralidade duramente construída subverte ferramentas que outrora serviam a finalidades intelectuais legítimas. Hoje, qualquer instrumento conceitual, metodológico ou técnico é mobilizado para desconstruir. Do lápis ao vaso, o importante é quebrar algo. A crítica tornou-se um fim em si mesma, e um grupo de intelectuais se destacou nesse processo.
Ao me referir a esses intelectuais, indico um _Zeitgeist_: uma atmosfera intelectual fermentada por uma mistura de correntes como:
– Pós-estruturalismo francês (Foucault, Derrida, Deleuze)
– Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno, Habermas)
– Construtivismo radical (Berger & Luckmann, Kuhn, Latour)
– Psicanálise (Freud, Lacan)
Acredito que esse retrato se aproxima do que encontramos hoje em muitos cursos de Humanidades no Brasil.
Essa mistura, entre tantas técnicas retóricas, utiliza o que chamo de “_Deus Ex Machina_ explicativo”, uma solução mirabolante e inesperada, originalmente usada no teatro grego, que agora aparece como determinante teórico. Tudo, dos textos à teorias, do cotidiano à moral é explicado por _megazords_ metafísicos, combinações esquizofrênicas de conceitos que se pretendem libertos de tudo que veio antes. Curiosamente, essas teorias, embora proclamem suas diferenças ímpares, apenas mudam quem é a “_machina_”: ora são relações de poder, ora o capitalismo, ora a luta de classes, ou qualquer outra saída conceitual desejada.
Eis aí, com nitidez, o que nós observamos com extrema desconfiança: o malabarismo intelectual que molda ideias e conceitos ao prazer subjetivo de criticar a realidade, a moral, e tudo o que se apresenta como limite.
O perpétuo “vir-a-ser” que esses intelectuais ostentam como muralha acabou por deixá-los vulneráveis. Ocupam um campo aberto, sem limites claros, sem crítica interna consistente. Em última análise, paradoxalmente, estão em espaços explicativos que ressoam como câmaras de eco de um gozo intelectual sodômico. Expostos ao tempo e a natureza da realidade, sem a tecnologia da moral, portam, paus e pedras, tentando cortar uma sequoia chamada tradição.
Rodrigo é graduando em Psicologia, assistente acadêmico e bolsista do Instituto Escafandristas.