Dados recentes nos Estados Unidos mostraram razoável recuperação da maior economia do mundo, e muitos investidores e analistas atualizaram suas expectativas para o crescimento dos próximos anos.
O Goldman Sachs, por exemplo, já fala em crescimento de 3,4% para o PIB americano este ano, aumentando para 3,8% em 2012. O banco chamou 2011 de “o ano da recuperação”, após o “ano da dúvida” em 2010, em que muitos questionavam o risco de um duplo mergulho americano, e o “ano da sobrevivência” em 2009, quando o mercado precificou o risco de uma depressão.
Parte desse otimismo crescente foi claramente incorporada no preço dos ativos. O S&P 500 já subiu mais de 20% desde agosto de 2010. O risco de um duplo mergulho parece cada vez mais distante. Alguns analistas já começam a questionar quando o Fed terá que subir novamente os juros.
Entretanto, ainda há bastante ceticismo no ar, e muitos investidores adotaram a postura de São Tomé: querem ver números econômicos mais concretos para crer numa recuperação sustentável. O risco desta postura é perder o rali e entrar quando já for tarde demais. Não custa lembrar que os mercados antecipam as expectativas futuras.
Para quem defende um cenário mais otimista para os EUA, ao menos no curto prazo, existem alguns sólidos argumentos. Em primeiro lugar, o caminhão de liquidez que foi injetado pelo Fed nos mercados. Essa montanha de dinheiro tem que ir para algum lugar. Nada garante que será o destino mais adequado para um horizonte de longo prazo. Mas surge o risco de novas bolhas em determinados ativos. Não devemos esquecer que a bolha imobiliária foi, em parte, criada justamente por medidas expansivas do Fed, no afã de combater o estouro da bolha de tecnologia.
O Fed acaba empurrando o problema com a barriga, jogando-o para frente, ganhando tempo para ajustes mais estruturais. Entrementes, novas bolhas podem ser criadas, gerando a ilusão de que uma nova fase de crescimento sustentável começou.
Dificilmente pode-se falar em nova bolha para o mercado de ações americanas a esta altura. O S&P 500 está negociando a algo próximo de 13,5 vezes o lucro esperado para este ano, o que não é absurdo algum em relação ao seu padrão histórico. Ao contrário, se o crescimento de lucro realmente se concretizar, o S&P 500 ainda parece atraente nestes níveis. Afinal de contas, ele está no mesmo patamar nominal que estava no começo de 1999, há doze anos!
O grande risco para esse cenário seria justamente uma recuperação acelerada demais ou uma inflação galopante como resultado das medidas frouxas do Fed. Dessa forma, o Fed teria que subir as taxas de juros rápido demais, podendo matar a “bolha” em seu nascimento. Mas dificilmente Ben Bernanke agiria dessa forma preventiva. Não é seu perfil, além de que o Fed possui um mandato duplo: cuidar da inflação e do nível de emprego. Este, por sua característica de defasagem, ainda está muito aquém do desejado.
A probabilidade maior é de o Fed ficar “atrás da curva”, aguardando uma recuperação significativa dos empregos antes de agir. Esse quadro é perigoso para a economia americana, mas vantajoso para uma aposta com horizonte mais curto no mercado de ações.
O “concurso de beleza” keynesiano explica o motivo: o importante é antecipar quem os jurados vão considerar mais bela, e não acertar quem de fato é a mais bela. À medida que dados econômicos mais fortes forem saindo e o Fed mantiver a política monetária frouxa, os investidores tenderão a comprar mais o cenário de recuperação sustentável, migrando em massa para a bolsa.
Quando e se isso ocorrer, aí será o momento de recuar e aumentar a cautela, pois os pilares da recuperação ainda serão muito frágeis, dependentes dos estímulos do governo. Os problemas acumulados na última década de bonança irresponsável ainda estão intocados. A grande derrota dos democratas para os republicanos no Congresso aumenta as chances de reformas mais estruturais na direção correta, invertendo um pouco o ímpeto quase socialista do governo Obama. Mas o abacaxi a ser digerido é grande e indigesto demais para se apostar em medidas realmente eficazes no curto prazo. Os americanos ainda têm um encontro marcado com a dura realidade à frente.
Mas isso não quer dizer que o S&P 500 não possa experimentar um expressivo rali nos próximos meses. É compreensível apostar na alta das ações americanas no futuro próximo, mesmo estando pessimista com o cenário num prazo mais longo. O risco não é desprezível, mas, afinal, não existe almoço grátis.
Publicado no jornal “Valor Econômico” , em 11/01/2010
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