Em plena guerra mundial por empregos, o Brasil tributa com selvageria a criação de vagas de trabalho. A social-democracia brasileira, com todo o seu discurso de inclusão social, tem explorado apenas a via assistencialista e desprezado a integração produtiva dos menos favorecidos. Sua agenda obsoleta não atende às exigências de uma economia mundial cada vez mais competitiva. O trabalhador brasileiro permanece completamente desprotegido para os choques que estão à nossa frente.
A inapetência pela reforma da legislação trabalhista, pela remoção dos abusivos encargos sociais e pela reforma previdenciária revela o despreparo do Congresso Nacional na matéria. E, apesar de essa inércia ser atribuída ao conservadorismo dos parlamentares, ela demonstra que a inclusão social pela via dos mercados de trabalho nunca foi uma prioridade da social-democracia hegemônica no país desde a redemocratização, em 1985.
O traço de continuidade da política brasileira nas últimas duas décadas e meia seria o “peemedebismo, espécie de consenso conservador feito para acomodar todo mundo e deixar tudo como está”, conforme o filósofo Marcos Nobre, pesquisador do Cebrap e da Unicamp em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo no último dia 9. O símbolo desse “fenômeno singular da cultura política brasileira”, o princípio e o fim dessa mixórdia, seria o ex-presidente José Sarney, atual presidente do Congresso Nacional. É no apoio à inoperância, à blindagem contra escândalos, à manutenção do muito que há do Antigo Regime que se destaca o “peemedebismo”.
Além disso, o “peemedebismo” estaria também tornando o sistema político insensível à indignação da sociedade. Basta ver a sucessão de crises e seus efeitos cada vez menores. “A gente pode gritar quanto quiser porque o sistema está começando a se fechar em si mesmo”, afirma Nobre.
A análise tem seus méritos, mas o fenômeno é mais complexo. Sarney tornou-se realmente o símbolo de uma transição incompleta. E, sim, há uma inegável continuidade no processo de degeneração da política brasileira nestes 25 anos de social-democracia em suas mais diversas variantes. Mas o problema não é só o conservadorismo fisiológico do PMDB, esse instinto de sobrevivência pela adesão oportunista ao governo descrito por Nobre. É também a inapetência por reformas, a obsolescência da própria agenda social-democrata que permite a criação desse vácuo de poder. É o vazio da “vanguarda” que produz o cortejo do “atraso”.
No poder, PT e PSDB seguem a agenda obsoleta – sem fazer as reformas tão necessárias ao Brasil
PSDB e PT se revezam no poder há cinco eleições presidenciais com alianças oportunistas, retrógradas e visceralmente corruptas, conforme acusações recíprocas. Por que não houve uma proposta de reforma política? Por que não se uniram contra tudo isso? Por que as batalhas partidárias têm se limitado à tomada de poder? Por que prossegue ininterrupta a sequência de escândalos de corrupção envolvendo o uso de recursos públicos?
Nunca houve uma agenda positiva de reformas. A disputa política foi sempre uma guerra de extermínio entre espécies semelhantes (tucanos e petistas) pelo domínio de um nicho ecológico: a hegemonia social-democrata. E, uma vez no poder, aí sim vale o “cortejo ao atraso” para manter o vazio de sua agenda, para explicar sua omissão quanto às reformas necessárias, principalmente a reforma política.
O fascinante é que o filósofo se ressente da falta da polarização necessária ao funcionamento da democracia, sem perceber que o problema está exatamente na ausência de alternativas aos partidos social-democratas e aos seus programas obsoletos. Prefere culpar atores secundários que emergiram no vazio das “vanguardas progressistas”.
“Cedo ou tarde Dilma terá de entregar ao PMDB o que ele pede”, diz Nobre. “É a presidente com possibilidades mais restritas que já assumiu. Suas mãos estão acorrentadas.” Discordo novamente. Dilma Rousseff pode escapar desse arranjo que atrasa a modernização do país. De novo, é uma questão de liderança e agenda de reformas.
Publicado na revista “Época”
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