Para alguns, universidade é coisa de elite e pronto, e só assim realiza bem sua função. Sou um desses.
SOU UM acadêmico. Adoro dar aula, estudar, participar de seminários. O milagre de ver os olhos de um aluno transparecer a experiência do conhecimento é um prazer imenso. Todo dia agradeço a Deus pela coragem de ter trocado a medicina pela filosofia, ainda que, no fundo, continue vendo o mundo com os olhos do médico. A medicina impregna a alma com a percepção da fragilidade da fronteira entre fisiologia e patologia.
Mas nem por isso deixo de ver que minha tribo padece de contradições específicas, e que, em nosso caso, podem ser bem dramáticas, uma vez que somos responsáveis pela produção de grande parte do conhecimento público.
Uma dessas contradições é a relação entre universidade e elite. Para alguns, universidade é elite e pronto, e só assim realiza bem sua função. Sou um desses. Já na Idade Média, fosse Paris, Oxford ou Salamanca, era coisa de elite.
O pensador conservador e historiador das ideias americano Russel Kirk, já nos anos 50 (recomendo fortemente a leitura do seu livro “Academic Freedom”, de 1955), advertia-nos acerca da “proletarização” das universidades, na medida em que ela passava a ser uma opção de ascensão social para a classe média e “gente sem posses”.
Hoje, isso é fato. A forma como “carreira salarial” e “produção acadêmica” se relacionam e se confundem no cotidiano da gestão universitária na forma de “critério de qualidade” é uma prova cabal do argumento de Kirk. O fato é que quase sempre a discussão sobre “reconhecimento da produtividade” só vale se for materializado em ganho salarial, apesar das tentativas de maquiarmos o fato. No fundo, é quase tudo uma polêmica sobre folha de pagamento.
Mas não é disso que quero falar. A relação entre universidade e elite tem outras nuances que apontam para as contradições do mundo contemporâneo e sua relação com a ideia de “democratização do ensino”. A vocação da universidade no cenário da democracia se confunde com a ideia de universalizar a formação superior ao mesmo tempo em que deve formar quadros técnicos de gestão da sociedade, da ciência e da cultura superior.
Daí que seja comum minha tribo tomar a palavra pública em favor da “democratização do ensino” e da “democracia nas instâncias internas da universidade”. Aqui surgem duas das contradições às quais me refiro.
A primeira tem a ver, no Brasil, com a abertura de universidades às centenas e em quase toda esquina, quase sempre com qualidade duvidosa. “Universidades a R$ 399,90 por mês.”
Contra essa tendência, colegas gritam, com razão, denunciando a má formação em questão. Mas o fato é que democratização significa quase sempre “barateamento do produto”. Para muita gente pobre cursar universidades públicas ou particulares de renome e tradição é impossível, seja pelo restrito número de vagas, seja pelo alto custo financeiro.
A verdade é que o caráter elitista travestido de “democrático” da minha tribo revela aqui a falsidade de sua natureza e a alienação típica de quem vive regado a leite de pato na casa grande. Não se pode democratizar garantindo “vinho francês pra todo mundo”. Basta vermos o barateamento do voto à medida que a democracia brasileira assimila suas classes C e D. Universidade boa é coisa cara e brasileiro não tem dinheiro.
A segunda é pior ainda. Muitos de nós mentimos sobre a “democracia” e a transparência interna da universidade.
Devido muito ao hábito oligárquico de nosso país, “estrelas” da elite das grandes universidades, publicamente “implicadas” com democracia e transparência, no cotidiano da universidade agem como o mais comum “senhor da casa grande”, buscando garantir gerações futuras do quadro docente dentro do seu grupo de discípulos, realizando um verdadeiro “bullying” contra integrantes de grupos institucionalmente mais frágeis.
A universidade é dilacerada por lobbies internos que fazem dela um exemplo típico das oligarquias da “casa grande e senzala”. O uso da burocracia interna faria qualquer “peemedebista” chorar de inveja. Quem for inocente que atire a primeira pedra.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/01/2011
Sou professor universitário de universidade pública. Concordo que a universidade deva mesmo ser elite, reservada àqueles que no mínimo gostem de estudar e se aperfeiçoar. A geração de conhecimento vem daí, do esforço. É desejável, mas não fundamental, que o sujeito apresente boa capacidade intelectual para ingressar na universidade. No entanto, o esforço e interesse é a qualidade/atitude vital. Precisamos uma mudança no sitema educacional. As despesas com ensino superior (aquele bancado pelos governos estaduais e federal) são absurdamente altas, para pouco retorno científico. O governos deve focar em cursos técnicos para atender aqueles que fazem cursos pra melhoria salarial apenas. As vagas em universidades públicas devem ser poucas, reservadas a quem de fato se dedicará à geração de conhecimento. Minha posição é elitista, sim, mas não com soberba. Tenho convicção de que universidade é para poucos, nesse momento que o país atravessa.
Universidade, pelo que vejo, se tornou um hospício de professores alienados pelo próprio mundinho que criaram e vivem. Este filósofo, que deveria ter sido médico, e acabou acreditando em Deus, deve ter se encantado pelos invertebrados que rastejam luxuriantes entre as casas dos ricos em dias animados ou passou a ganhar mais dinheiro do que os seus colegas para concluir que ser “elite” é que é ser bacana. Mas uma coisa é certeza, não faz parte de nenhuma elite intelectual deste planeta, pois raciocina como um analfabeto funcional.
Se há algum problema na educação ela já vem de tempos; pois então como se formou um filósofo assim, que em vez de contribuir criticamente só faz é amplificar a dissolução de qualquer pensamento progressista. Uma elite intelectual (se é que isso realmente é possível) prezaria por um pensamento crítico e de preferência acessível, o contrário do que eu vejo aqui. O que vejo é sim um pensamento egocêntrico e elitista (agora sim no pior sentido possível), que não entende que desenvolvimento social se é conquistado com educação da população e não com servidão das massas. Torres de Marfim não são mais possíveis; um pensamento com esse no século XIX era compreensível, mas em pleno século XXI é um ato criminoso.