Com a instabilidade do câmbio, fluxo brasileiro com o mundo muda de perfil
O atrelamento básico da balança comercial brasileira às oscilações de câmbio e commodities está alimentando um retorno aos deficits do começo deste século. A tendência acelerada dos últimos dois anos levou governo e empresários a acenderem a luz amarela, tendo como maiores preocupações o futuro da produção doméstica e a já abalada saúde das contas externas.
Em paralelo ao atual debate em torno dos prejuízos para o setor industrial com o real valorizado, resumido na palavra desindustrialização, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, acena aos exportadores com um pacote de desonerações tributárias. Antes disso, ele promete melhorar a articulação com o Itamaraty na defesa comercial brasileira e admite até reagir com firmeza à invasão de produtos chineses.
Especialistas concordam que os dados das primeiras semanas do comércio exterior em 2011 não servem para definir com segurança as expectativas para o restante do ano, por expressarem movimentos atípicos, com ajustes de demanda no mercado de commodities (matérias-primas negociadas em bolsa). As apostas para o saldo anual vão desde a visão pessimista de um deficit alimentado por uma explosão de consumo de importados com estagnação das vendas de minérios, até a repetição dos US$ 20 bilhões de superavit de 2010.
“Os resultados expressam clara dependência das commodities, que concentram 70% de nossa pauta de exportações. Os saldos continuarão vinculados à manutenção do ciclo virtuoso desses volumes”, afirma José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). A entidade estima que as exportações fiquem este ano por volta de US$ 226 bilhões, considerando o cenário de “commodities nas alturas”. “Se as exportações não passarem de US$ 200 bilhões, teríamos até um saldo melhor, de US$ 26 bilhões”, completa.
Castro ressalta que os itens primários são uma variável sobre a qual o país não tem nenhum controle, tanto em volume quanto em preços. “Por isso, olhamos a China como nosso passado, presente e futuro. Por outro lado, enquanto tivermos câmbio muito valorizado, vai continuar se falando em desindustrialização”, acrescenta. O analista enxerga uma estagnação industrial do país nos últimos anos, causada por baixo investimento: “A aplicação externa direta vai essencialmente para comércio, serviços e aquisição de empresas menores. Quase nada é para novas fábricas”.
A AEB também condena o ufanismo representado pela chamada internacionalização das multinacionais brasileiras. “Boa parte dela retrata uma fuga de capital produtivo, que busca oportunidades e mercados, mas também custos menores para produzir”, diz José Augusto de Castro. Para agravar o quadro, o índice de nacionalização dos componentes de manufaturados brasileiros recua perigosamente, chegando a zero em alguns casos, como calçados e eletrônicos.
“A substituição acelerada de manufaturados brasileiros por estrangeiros, inteiros ou em partes, é uma realidade. Além disso, fábricas com elevado nível de utilização da capacidade estão redirecionando o que era antes exportado para o mercado interno”, alerta Castro, que critica ainda a classificação do país para bens de capital, por gerar “falsa percepção de que parte do avanço das importações está sendo revertida em modernização da indústria”. Além de máquinas para produzir, a conta inclui peças de reposição, acessórios, equipamentos de transporte e até computadores para escritórios.
Altos e baixos
Em 2006, a balança comercial brasileira registrou o maior superavit de sua história (US$ 46,4 bilhões) ao atingir o ápice de uma sequência de altas iniciada em 2001. Novamente, a elevada demanda externa por commodities agrícolas e minerais, acompanhada de cotações em alta, foi a principal explicação pelo recorde. A performance US$ 1,36 bilhão acima da obtida em 2005 (US$ 44,7 bilhões) superou a meta do governo para o ano, além das expectativas do mercado. Mesmo assim, o ano seguinte inaugurou uma trajetória de quedas, com saldo de US$ 40,03 bilhões representando recuo de 13%. O superaquecimento da economia brasileira e o fortalecimento do real passaram então a se impor nos resultados anuais da balança.
Flávio Castello Branco, gerente de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), reconhece ser difícil falar em desindustrialização num país que cria 2,5 milhões de empregos formais num ano e onde a produção industrial cresce acima de 10%. Mas ressalta que também ficou mais clara a trajetória de alta das importações nos dois anos pós-crise, com um bom comportamento das commodities agrícolas e mais dificuldades para os manufaturados. A combinação de demanda ascendente e câmbio caro ampliou a importação de bens. O câmbio, por sua vez, limita as exportações dos manufaturados nacionais. “Por isso, acreditamos ser inevitável a redução do superavit em 2011”, resume. A CNI prevê queda de 75% do superavit neste ano.
O deficit da indústria da transformação — a que transforma matérias-primas em insumos e produtos acabados — atingiu US$ 37 bilhões em 2010, saldo 125% pior que o do ano anterior. As importações de produtos industriais subiram 40% em 2010, para US$ 143,2 bilhões. As exportações do segmento, por sua vez, cresceram só 23,5%, para US$ 106,3 bilhões. Se forem considerados exclusivamente produtos manufaturados, o rombo passaria de US$ 70 bilhões.
Custo Brasil
Júlio Hegedus, economista-chefe da corretora InterBolsa e especialista do Instituto Millenium, reconhece que o câmbio tem peso expressivo no comércio externo do país, o que não explica todas as distorções. O especialista acha que os efeitos do Custo Brasil sobre a competitividade dos exportadores também precisam ser levados em conta. “O debate sobre a desindustrialização não é simples e vai além da questão cambial, que está diretamente relacionada às taxas domésticas de juros”, diz. Além de envolver muitas variáveis, a questão está também dominada, setorialmente, por indústrias mais sensíveis a importados chineses, como vestuário e eletroeletrônicos.
Hegedus sublinha que a decisão de construir fábricas em países emergentes contempla não apenas o custo da moeda, mas o custo de capital e mão de obra. “Culpar o câmbio por tudo é desqualificar uma análise mais ampla”, sentencia. Ele lembra que o Brasil está seguindo a tendência mundial de emergir como sociedade pós-industrial, na qual a indústria perde peso na economia. Na opinião de Hegedus, o risco de depender só das commodities para equilibrar o fluxo comercial poderia ser compensado com flexibilidade maior do mercado de trabalho. “Não dá para competir com o dumping social chinês”, finaliza.
No Comment! Be the first one.