Há anos em que a América Latina está em baixa no Fórum Econômico de Davos, e outros, como agora, em que o patinho feio vira cisne. Basta ver que ontem a sala onde se realizou um debate sobre a situação da região ficou lotada, com gente de pé. Os anos críticos têm sido mais frequentes, mas certamente há muito tempo não se tem tanta boa vontade com a região, e em especial com o Brasil.
Se considerarmos que houve ano em que sugeriram que fosse retirado o B dos Brics, pois o Brasil não conseguia crescer no mesmo ritmo dos demais emergentes, a percepção hoje é totalmente diferente.
Há, sobretudo, o espanto pelo fato de o país ter conseguido crescer e ao mesmo tempo distribuir renda, o que foi destacado por Moisés Naím, ex-editor da revista “Foreign Policy” e hoje associado-sênior de economia internacional do Instituto Carnegie para a Paz Internacional, numa mesa redonda sobre a América Latina.
Embora a redução da desigualdade tenha sido questionada, já que ela aconteceu entre os salários e não na relação salários-ganhos de capital, Naím destacou que a redução do índice de Gini — que mede a distribuição de renda nas sociedades — mostra que a desigualdade foi realmente reduzida nos últimos anos. A melhoria do índice de Gini havia sido citada por Ricardo Villela Marino, CEO para América Latina do Itaú Unibanco, como um dos muitos sinais de avanço na economia brasileira.
Moisés Naím, aliás, destacou outras economias que chamou de “estrelas conhecidas”, como o Chile, mas também algumas “surpresas” na região, como a Colômbia, o Peru, o Uruguai, o Panamá e a Costa Rica.
Houve um consenso, resumido por Enrique Iglesias, ex-presidente do BID: nunca a região foi tão democrática quanto hoje, e nunca esteve tão bem situada economicamente, o que faz com que seja previsível uma década de crescimento pela frente.
Sintomaticamente, os problemas existentes, como a alta da inflação e a questão fiscal, foram citados apenas de passagem, ficando claro que não há nenhum temor de que os países da América Latina que aprenderam a lição das crises permanentes anteriores venham a perder o controle fiscal.
Mais uma vez o que foi destacado por todos, mas bem definido por Ricardo Villela Marino, foi que os países da região, mais especificamente o Brasil, precisam cuidar de seus pontos fracos: investimentos em infraestrutura e, sobretudo, em educação.
Mas nem tudo é festa na região. A parte negativa ficou para a Venezuela e os países da chamada Aliança Bolivariana (Alba), como Equador ou Bolívia. Moisés Naím, venezuelano radicado nos Estados Unidos, definiu o socialismo do século XXI de Hugo Chávez como uma “ideologia necrófila” — “Nunca vi gostar tanto de ideias más e mortas”, comentou.
Um relato sobre a situação econômica da Venezuela nos dias atuais mostrou um país com a inflação descontrolada, com desemprego crescente e um aumento da pobreza extrema, que já não pode ser solucionada por programas assistencialistas, mesmo porque o governo já não tem condições econômicas de sustentá-los.
O presidente do Panamá, Ricardo Martinelli, presente ao debate como assistente, quis saber quais as chances de a oposição vencer a próxima eleição e disse que a situação da Venezuela provocava nele sentimentos “de satisfação e tristeza”.
Satisfação porque, sempre que a crise piora, seu país recebe investimentos de empresários venezuelanos que lá buscam refúgio para si e seus negócios. E tristeza porque esta não é a maneira ideal de melhorar, às custas de problemas de outros.
Soube que há uma chance real de que, na eleição presidencial de 2012, a oposição derrote Chávez, que já está há doze anos no governo e ampliou seus poderes aproveitando- se de uma decisão errada da oposição de não participar das eleições congressuais anos atrás.
Nas recentes eleições, a oposição teve 52% dos votos, mas só elegeu minoria de congressistas devido às regras eleitorais venezuelanas. A questão é saber se a oposição conseguirá se unir em torno de uma candidatura
para combater Chávez.
Mas até mesmo a Bolívia recebeu de Iglesias análise de boa vontade. Ele disse que o resultado da eleição do indígena Evo Morales para a Presidência do país foi importante para integrar uma parte da sua cidadania, e que os resultados têm sido melhores do que se poderia esperar.
O que chamou a atenção de Moisés Naím foi o fato de nenhum dos painelistas ter se referido à situação da Argentina, nem para criticar nem para elogiar: “Isto certamente não é um bom sinal”, comentou.
O comentário final foi sobre a perspectiva de Dilma Rousseff como presidente do Brasil, na sucessão de Lula. Moisés Naím foi enfático ao afirmar que considera a nova presidente capaz de dar continuidade com sucesso aos programas de governo, mas reafirmou sua crítica à posição brasileira na política externa durante o governo Lula, “que nunca se pronunciou sobre os ataques à democracia que ocorrem na Venezuela. Espero que a presidente Dilma seja capaz de reverter essa situação”.
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No programa oficial do Fórum Econômico Mundial há uma advertência: até o momento em que esse programa foi para a impressão, todas as pessoas que participam e todas as sessões estavam confirmadas. Mas o desenrolar dos acontecimentos é de tal ordem que pode haver algumas modificações.
Foi o que aconteceu com a fala de abertura do presidente da Rússia, Dmitri Medvedev. No primeiro momento ela foi cancelada, como escrevi ontem, devido aos atentados terroristas no aeroporto de Moscou, para depois ser confirmada, embora a permanência de Medvedev em Davos tenha sido drasticamente encurtada.
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Em plena temporada do Oscar, troquei as bolas e chamei na coluna de ontem o primeiro- ministro da Inglaterra, David Cameron, de James Cameron, o diretor de “Avatar”.
Fonte: O Globo, 27/01/2011
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