Ontem (08/02/11) os jornais trouxeram uma das notícias que mais podem influenciar nas regras do jogo eleitoral brasileiro. Para melhor, felizmente. A ministra Cármen Lúcia, do STF, reafirmou a decisão anterior do Tribunal, de dezembro, de que o parlamentar que se licenciar do cargo de deputado federal no decorrer do mandato deve ser substituído no Congresso por um colega de partido, não de coligação. Esta alteração, porém, não deve ser imediata, mas para a próxima legislatura.
Deu a lógica.
O sistema hoje no país é uma esculhambação geral. O deputado federal eleito pelo PP gaúcho, pelas regras vigentes, sem levar em conta a nova decisão do STF, deve dar lugar a um suplente do PSDB se quiser se licenciar. Já um deputado federal baiano do mesmo PP que se licencia, dá lugar a um suplente do PRB – nos casos específicos, assumiria o gaúcho Claudio Diaz e assumiu o baiano Acelino Popó Freitas, já que, de fato, o titular Mário Negromonte se licenciou para virar ministro. O PP fez coligação na eleição proporcional em praticamente todos os estados para deputado federal – e com praticamente todos os partidos, dependendo da conveniência regional. Cito o PP para falar do partido ao qual sou filiado, mas esta regra é seguida à risca por todos os demais, lamentavelmente.
Desta forma, um parlamentar eleito pelo PP gaúcho com votos de pessoas que optaram por candidatos do PSDB, será fatalmente colega de bancada de um correligionário que se elegeu graças aos votos de eleitores do PRB na Bahia, por exemplo. Ou, em outros estados, com votos do PMDB, do PPS, do PDT, do DEM, do PT… ou seja, uma incoerência total: dentro da mesma bancada, podem haver deputados eleitos com votos de PT e PSDB. Maior aberração ainda é a possibilidade de que um partido possa, no mesmo Estado, optar por fazer um tipo de coligação na disputa para deputado federal (como ocorreu no RS com PP-PSDB – o PP acertou e ganhou uma cadeira) e outro na estadual (no RS, o PP optou por disputar sozinho – o PP errou e perdeu duas cadeiras).
O jogo político, no fim, acaba resumido a uma matemática que envolve a melhor coligação possível no estado para aumentar a bancada partidária, pouco importando de onde vêm os votos. O resultado é exatamente o que vemos em Brasília: uma Câmara vassala do Executivo, sem rumo e cujos partidos não só já não sabem mais o que defendem como nem podem defender com ênfase aquilo que deveriam – afinal de contas, o titular que deu sua vaga ao suplente sortudo não ficará muito feliz em saber que seu partido foi criticado pelo colega de bancada do beneficiado com um mandato de última hora.
Que a decisão da ministra Cármen Lúcia está correta na teoria, não restam dúvidas – repito ser um absurdo um parlamentar de um estado ter sido eleito com votos de um partido enquanto seu colega do estado vizinho esteja no Legislativo em virtude de votos de um partido antagônico. Aplicá-la agora, porém, é impossível: as regras do jogo eram essas antes das eleições, concorde-se com elas ou não. Resta, de uma vez por todas, acabar com as coligações nas eleições proporcionais e incluir esta pauta na tão esperada reforma política.
Alterar de cima para baixo novamente as regras do jogo depois de iniciada a partida é uma temeridade. Sobretudo a partir do Judiciário. Infelizmente, o STF já deu péssimos exemplos análogos no passado. Esperamos que, desta vez, se contenha, e force o Parlamento a tomar as atitudes necessárias para fazer a alteração legal que faça valer tal decisão já nas próximas eleições municipais. Eu particularmente defendo, inclusive, o fim de todas as coligações, inclusive nas eleições majoritárias. Mas este é um assunto para outro post.
Revolta nos países árabes: caminho para a democracia ou para novas ditaduras?
As revoltas nos países árabes estão no noticiário diário desde que a Tunísia viu seu presidente abandonar o poder após 23 anos de ditadura. O estopim da crise, a morte do jovem Mohammed Bouazizi, de 26 anos, é simbólico também para explicar a disseminação dos protestos e revoltas por todo norte do continente africano e parte expressiva do Oriente Médio.
Bouazizi estava desempregado e trabalhava na informalidade. Decidiu em uma atitude desesperada, atear fogo ao próprio corpo em dezembro do ano passado. Até 5 de janeiro permaneceu hospitalizado até vir a falecer – e desencadear uma onda jamais vista no mundo árabe. Bouazizi era o exemplo prático da incapacidade de os governos existentes nestes países lidarem com nações de jovens, muitos com diploma universitário nas mãos, sem emprego e sem perspectiva de futuro. A internet, sem dúvida, imprimiu velocidade aos eventos e foi vista, desde logo, como inimiga dos ditadores no poder – como no caso egípcio, em que o twitter foi bloqueado em todo o país ainda no início da revolta popular.
Agora que os conflitos estão deflagrados, iniciam as especulações sobre o futuro dessas nações. Assumirão governos verdadeiramente democráticos? Ou, em lugar disso, mudará o poder ditatorial de mãos, passando a líderes religiosos a tarefa de oprimir a população? Não se pode afirmar com certeza, mas a probabilidade existe e é grande de que líderes muçulmanos – que, ademais, compõem a esmagadora maioria da população de todos os países árabes – assumam o comando e frustrem as mais elevadas expectativas ocidentais de que, também nestas nações, seus povos tenham o direito de usufruir das liberdades individuais e dos direitos fundamentais que só o Estado Democrático de Direito pôde, em toda a história mundial, proporcionar.
Percebe-se, contudo, do lado otimista um ar quase ingênuo, até mesmo ignorante de muitos analistas, ao negligenciarem o triste fato de que a derrubada de uma ditadura não significa necessariamente o estabelecimento de uma democracia. Infelizmente, a mera troca de uma ditadura por outra é muito comum – mesmo quando precedida por revoltas populares. Oxalá estejam erradas as expectativas mais pessimistas e que a juventude dos países árabes, conectada às novas mídias mas alijada do mercado de trabalho como Bouazizi, seja contemplada com governos democráticos que lhe permita almejar dias melhores.
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