É conhecida a metáfora sobre duas interpretações possíveis para um copo com água pela metade. Os otimistas consideram o copo quase cheio, enquanto os pessimistas veem-no praticamente vazio. O balanço final dos quatro anos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2007/2010) assemelha-se à visão maniqueísta sobre o copo d’água. As ações previstas no programa somam R$ 657,4 bilhões, incluindo recursos dos governos federal, estaduais, municipais, das empresas estatais e da iniciativa privada.
Os governistas comemoram a conclusão de 2.517 obras ao fim de quatro anos. Entre elas, no Rio de Janeiro, o terminal de gás natural da Baía de Guanabara, o gasoduto de Cabiúnas III e as plataformas da Petrobras P-51, P-52 e P-54, que custaram R$ 14,7 bilhões. A Casa Civil da Presidência da República divulgou efusivamente que R$ 619 bilhões foram aplicados (94%) e que o valor de ações concluídas atingiu a R$ 444 bilhões (68%) em todo o país.
A oposição pode ver o PAC por outro ângulo. A quantidade de obras concluídas representa apenas 19% do total de empreendimentos, incluídas as áreas de saneamento e habitação. Aproximadamente 40% das obras não saíram do papel. Estão nos estágios de “ação preparatória” ou “licitação”. Do total aplicado, R$ 216,9 bilhões (35%) são relativos aos financiamentos habitacionais a pessoas físicas, que incluem imóveis novos, usados e reformas. Em outras palavras, se alguém vai à Caixa Econômica Federal (CEF) solicitar empréstimo para adquirir a casa própria ou reformar a cozinha, os recursos liberados serão contabilizados como “ação concluída” do PAC.
É curioso observar que ambos, governo e oposição, estão certos. Todos os números citados são verdadeiros e refletem diferentes visões. Na realidade, não é de hoje que os números são torturados até confessarem o que, politicamente, interessa aos seus usuários.
Na verdade, em relação aos investimentos federais nos últimos quatro anos, são duas as notícias recentes, uma boa e uma má. A boa é que há muito tempo o governo e as empresas estatais não aplicavam tanto em obras e equipamentos, patamar atingido com os ventos favoráveis da economia mundial, mantido apesar da crise internacional. A má notícia é que esses investimentos ainda estão aquém daqueles que o país necessita. Contraditoriamente, os gastos com pessoal e funcionamento da máquina administrativa ampliaram as suas participações no PIB, obrigando o governo Dilma a começar com o aumento de juros e o corte de R$ 50 bilhões nas despesas.
Muito embora o PAC 1 não tenha sido concluído, já foi lançado o PAC 2. Afinal, os governos costumam batizar suas realizações com nomes próprios para relacioná-las ao período de sua gestão política. Assim foi com o Avança Brasil, Brasil em Ação e outras iniciativas passadas. Na prática, os nomes fantasia são desnecessários, pois a Constituição Federal já prevê os Planos Plurianuais (PPA).
É possível que o atual governo reduza no PAC 2 os entraves do PAC 1. Apesar do rigor com que a então ministra Dilma cobrava a velocidade dos projetos, foram nítidos os problemas relacionados às leis ambientais e às terras indígenas, aos recursos interpostos em licitações e às paralisações sugeridas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Em alguns momentos, também contribuíram para retardar as obras a insatisfação salarial dos funcionários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a greve dos engenheiros, arquitetos e advogados da CEF e a carência de capital de giro de algumas empreiteiras que participavam do programa, problemas já solucionados. Acrescente-se as dificuldades dos estados e municípios na elaboração de projetos, principalmente de saneamento, e com os limites de endividamento. O dilema é como superar todas essas questões sem afrontar as normas legais.
O PAC continuará a ter importância, quer sob o ponto de vista econômico — as suas ações foram poupadas do corte bilionário —, quer sob o prisma político, já que a “mãe do programa” tornou-se a presidente da República. A série pode se estender como as de Rambo e Rocky Balboa, dependendo do sucesso do Partido dos Trabalhadores nas próximas eleições presidenciais.
Na verdade, apesar das manifestações extremadas dos governistas e dos oposicionistas, muitas obras estão nas ruas e outras tantas no papel. Resta-nos, portanto, como cidadãos, manter o acompanhamento e torcer pelo sucesso do PAC, esse copo d’água meio cheio, meio vazio.
Fonte: O Globo, 22/02/2011
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