Eu estava botando os bofes pra fora e suando em bicas mas, em compensação, ela também estava ofegante e parecia ultraconcentrada. Havia uma estranha mistura de bem-aventurança e tensão naquela, digamos, delirante atividade. Ademais, era imperioso reconhecer a enorme diferença de idade: acho que somando fantasias e subtraindo realidades, chegava – juro que não minto! – a meio século. Mas nós dois, superfocados, usávamos os nossos corpos no supremo e indisfarçável esforço de chegar ao clímax desejado. Não nos olhávamos de frente, exceto por breves instantes e, de quando em vez, eu sabia ser necessário variar a potência e o ritmo de impulsão. Por um momento, pensei que todo o esforço ali plantado – os lentos e calculados rodeios iniciais; a subida de frente pelo colchão; os estiramentos enérgicos de braços, associados às longas e vagarosas flexões de coxas e quadris; às cuidadosas reviravoltas de pescoço, quando nossos olhares se encontravam em relâmpagos de glorioso estranhamento; os apertos fortes de mãos pelo peito e espinha – ia dar em nada. Mas quando ultrapassei os 11 minutos e cheguei aos 140 batimentos, não tive dúvida que chegaríamos juntos. Era óbvio que ela estava o tempo todo comigo – em corpo e alma. Fisicamente linda: as coxas longas e bem torneadas, as nádegas perfeitas e o pequeninos seios balançando naquela cadência frenética que precede a parada final. Ela estava grandiosa no equilíbrio entre a sua mais extremada autoconcentração e o milagre do entregar inteiramente o seu corpo ao nosso esforço conjugado. Quando atingimos o auge, aos 35 minutos, diminuímos a marcha e deixamos prazerosos o líquido morno escorrer pelos nossos corpos em grandes bagas. No meu iPod, Sinatra detonava um maravilhoso You Make me Feel so Young, num arranjo de Don Costa.
Desliguei as máquinas, desci triunfante da esteira, enxuguei a testa. Com o rabo do olho, vi a deusa do meu lado fazer o mesmo. Bem que o pessoal da academia podia aplaudir…
– Eu tenho um castelo medieval, disse o federal deputado com modéstia falsa.
– E eu uma cobertura com ciclovia em Ipanema; de frente para o mar!, jaculou um outro senador ajeitando a gravata italiana, bela.
– Ah!, exclamou outro alto parlamentar, e eu possuo uma ilha.
– Eu sou dono de um arquipélago!, disse um outro representante do povo pobre e faminto, somente para ouvir que seu colega, sentado na ponta da mesa, já ministro e aspirante ao cargo de supremo magistrado da nação (que sacrifício danado), tinha um istmo; e que um juiz do supremo tinha uma península e um outro “grande”, refestelado mais adiante, um golfo. Aquele golfo que, reza uma história atribuída a Graciliano Ramos, caracterizava todo grande país e faltava ao Brasil, a menos que dinamitássemos o Nordeste, resolvendo de uma só tacada o problema da pobreza, da arrogância disfarçada de demagogia populista; criando, afinal, o acidente geográfico que deveria fazer parte da paisagem geográfica de qualquer nação que se preze.
O desafio só acabou quando um sujeito gritou que era dono do país. Era o garçom que, doce e sério como um Carlitos, servia o cafezinho.
PS: Qualquer semelhança com países vivos ou mortos é mera coincidência.
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Em agosto de 1961, depois de um dia de barco (de Marabá para Itupiranga); e de um dia e uma noite a pé, com a nossa bagagem no lombo de um triste e fedorento burro, chegamos à “sociedade” e à “cultura” indígena que me cabia compreender e estudar. Coisa complicada porque quem andava por aquelas bandas estava em busca de diamantes, castanhas ou almas. E nós queríamos simplesmente fazer o impensável: entender como aqueles homens entre homens (chamados de “cabocos” e “índios”) fabricavam o seu mundo. Minha “sociedade tribal” era, afinal de contas, feita de um grupo de índios esmolambados e desmoralizados pelo contato conosco: os “brancos” ou “civilizados”. Cabia a nós, projetos de pesquisadores, descobrir a tal “sociedade” que jazia invisível no meio daquele punhado de gente viva que fedia, comia, dormia e pedia. Antropólogos não confundem sistemas culturais com mapas ou fotografias.
Angustiado, perguntei-me como os meus professores suportaram esse ordálio de viver com esses outros que estavam fora dos limites dos outros que nos eram familiares: os famintos e os pobres que deveríamos salvar. Fiquei mês e meio sem mudar a roupa do corpo e fazer a barba. Usamos iodo para purificar a água turva que tirávamos de uma cacimba. Além de “alienado”, peguei, de quebra, uma boa malária.
Um dia, um dos indígenas chegou com uma menina com o pescoço ferido. Ele apontava o corte e repetia nervoso: “Boceto! boceto!” Olhei entre o curioso e o assustado meu companheiro de trabalho, hoje um dos maiores etnólogos brasileiros, o professor Julio Cezar Melatti, que, discreto como sempre, fingia não ouvir. Se descobrir esse ninho de “bocetos sanguinários”, fico na história da etnologia nacional, pensei. Logo, porém, o mistério acabou. Os tais “bocetos” atacavam à noite, eram grandes, pretos, peludos e… voavam.
Eram morcegos!
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