…daí é que não sai nada, sentenciaria o Barão de Itararé se tomasse conhecimento da tal de reforma política em curso no Congresso Nacional. É inesgotável a capacidade do modelo institucional brasileiro de causar malefícios. O mais recente deles vem com a proposta do voto em lista fechada, exibida como a única forma politicamente viável de enfrentar a bancarrota moral e funcional das instituições. Mais um par de artifícios desse teor e vamos ter que nos mudar para o Paraguai.
Que fique claro: o sistema hoje em vigor serve bem ao governo. Dá-lhe maioria, faculta-lhe as medidas provisórias, permite-lhe amplo espaço de movimentação e fragiliza a oposição. Mas… (há sempre um “mas” em todas as alcovas) parte do Congresso Nacional, na falta do que fazer, fez o que não devia e acabou no fundo do poço do descrédito. E o fundo do poço é mal iluminado. O observador comum não distingue muito bem os bons e os maus. Gatos e não gatos, ali, ficam todos pardos.
No breu que se formou, o bom senso clama aos berros por uma reforma profunda, efetivamente política. Ela deve separar Estado, governo e administração. Deve revalidar nossa extinta federação. E deve adotar mecanismos para composição dos parlamentos que reduzam a influência dos grupos de interesse, dificultem a eleição dos patifes, restrinjam a quantidade de siglas e as revigorem, concedam representação a todas as regiões e assim por diante. Mas o que faz o governo, face ao obscuro cenário, no qual inúmeros parlamentares começam a espichar os olhos para suas cadeiras entre suspiros de saudade? Lança ao fundo do poço uma escadinha formada, basicamente, pela combinação da proposta do voto em lista fechada com a do financiamento público das campanhas.
Depois dessa, no pé em que andam as coisas, nada mais consegue “viabilidade”, claro! Quem vai querer o pão com margarina de uma reforma como convém ao Brasil se lhe anunciam os canapés de caviar do voto em lista? Qualquer menção à margarina é recebida com apupos. O baixo clero urra – “Caviar! Caviar! Caviar!”. E o alto clero, com um gesto de enfado, manda o garçom levar uma bandeja ao subsolo.
Quem se põe a comparar as vantagens de um sistema (lista fechada) com as desvantagens de outro (lista aberta) monta uma armadilha retórica. Intelectualmente honesto é confrontar vantagem com vantagem e desvantagem com desvantagem. E as listas fechadas conseguem ser ainda piores do que as listas abertas hoje em vigor. Por quê? Porque as listas fechadas, obviamente, serão encabeçadas pelos atuais parlamentares, o que representará altíssima probabilidade de obterem, sem maior empenho pessoal, a periclitante reeleição. Quem for deputado se considerará reconduzido. Quem não for, que mude de vocação, porque durante alguns anos a política entrará em recesso. Aliás, alguém aí acredita que o governo encaminharia um projeto que fosse um palmo mais curto do que a medida de suas necessidades?
Sugiro duas emendas alternativas nesse projeto. Numa, as listas fechadas serão montadas nas convenções partidárias, com cada convencional apontando apenas cinco nomes, e ordenadas pela soma dos votos obtidos. Passa? Não passa. Noutra, se o total dos votos dados às listas não alcançar metade do eleitorado inscrito, haverá nova eleição com outros nomes. Hã? Já estou ouvindo a vaia do plenário. E, como nada disso passa, fica evidente a intenção de criar um sistema que simplesmente renove os mandatos da atual representação parlamentar e, portanto, da base do governo.
(Zero Hora, 24/05/2009)
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