Um único argumento é suficiente para demonstrar o tamanho da estupidez contida no voto do relator Carlos Ragazzo, proferido quarta-feira passada, na reunião do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que tinha na pauta a fusão da Sadia com a Perdigão.
Ragazzo propôs a rejeição pura e simples da fusão por entender que apenas uma dessas marcas é capaz de se opor à outra no mercado brasileiro.
É mais ou menos como se alguém, cerca de três décadas atrás, se opusesse a uma hipotética fusão da Telefunken com a Philco por entender que, unidas, essas duas dominariam o mercado brasileiro de televisores.
Na visão do senhor relator, as duas empresas – unidas como parecem estar contra os interesses do povo – podem provocar uma elevação exagerada no preço da salsicha, do presunto e dos demais produtos da Brasil Foods.
Sadia e Perdigão operam juntas há dois anos e até agora não fizeram isso. Mas o Cade acha que ainda podem fazer… Valha-me Deus!
Antes de entrar no argumento que demonstra a estupidez do parecer, é bom dizer que o documento é coerente e bem elaborado dentro de uma linha de raciocínio válida para outro momento da economia brasileira.
Uma ação como a que o relator sugere (da formação de um oligopólio capaz de majorar preços a torto e a direito) talvez se aplique às economias em que as pessoas ficam horas na fila do empório, com uma caderneta de racionamento na mão à espera de sua vez de levar para casa o produto disponível na prateleira, na quantidade que o comissário do povo considerar justa.
O Brasil, felizmente, não é Cuba nem Venezuela. O Muro de Berlim caiu, o país evoluiu (embora ainda tenha muito o que evoluir), mas, parece, a cabeça do relator estacionou no tempo.
O problema maior não está aí. O Brasil é um país democrático e cada um é livre para pensar o que quiser. O xis da questão é que, no momento em que a fusão foi proposta, dois anos atrás, a Sadia estava à beira da falência. A gestão agressiva (ou melhor, irresponsável) do caixa havia exposto a companhia a um risco exagerado no mercado de derivativos e a crise financeira internacional de 2008 quase a levou à lona.
Foi naquele momento que a fusão entre as duas companhias começou a ser pensada e, para muita gente, foi o caminho que salvou a Sadia, os empregos que ela gera, a renda que ela traz para seus produtores associados.
Se a fusão não viesse e a falência chegasse, o cenário monopolista que o relator parece temer teria sido alcançado por outro caminho. Sozinha no mercado, a Perdigão deitaria, rolaria e cobraria o que bem entendesse, não é mesmo?
E, nesse caso, não haveria ninguém para importuná-la porque o Cade, tão zeloso da concorrência como parece ser, não toma partido diante dos competidores poderosos que tentam se instalar no Brasil. Nessas horas, o nome do Cade muda para “Cadê?”
Pelo que se pode concluir a partir do voto de Ragazzo, é melhor ter um oligopólio estrangeiro ocupando o mercado brasileiro do que uma grande corporação brasileira competindo em pé de igualdade no mercado internacional. E, depois, são eles que defendem a economia… Valha-me Deus!
Fonte: Brasil Econômico, 10/06/2011
O cade está mais para cadê!!!