O Conselho administrativo de defesa econômica (Cade) deveria ter permitido a fusão das cervejarias Antarctica e Brahma? O Banco Central deveria ter aprovado a fusão de grandes instituições financeiras como Itaú e Unibanco? Como avaliar os casos Nestlé-Garoto, Sadia-Perdigão e agora a proposta de fusão entre os grupos Pão de Açúcar e Carrefour? A visão convencional é de condenação das fusões entre grandes empresas semelhantes e rivais em um mesmo setor.
O maior grau de concentração setorial permitiria a exploração dos consumidores. Os mercados de consumo de massa, sustentados por uma gigantesca classe média emergente, deveriam ser protegidos dos monopólios e oligopólios setoriais formados por ondas de fusões e aquisições. Os opositores à concentração baseiam-se em modelos estáticos de equilíbrio geral. Os oligopólios seriam desvios do ideal de concorrência perfeita a ser combatidos. Teriam poder de cobrar “preços abusivos” ao restringir a produção. Em um setor de tecnologias já estáveis, com custos crescentes, a maior concentração restringe a competição, permitindo reduzir a produção e elevar os preços praticados.
Essa visão estática racionalizou a legislação antitruste que se popularizou nos Estados Unidos na primeira metade do século passado. Teve sua expressão mais nítida em termos normativos nos escritos dos liberais alemães que defendiam a “economia social de mercado”. Constituiu-se uma robusta argumentação a favor das leis em defesa da concorrência com base nessa visão de que os monopólios e oligopólios possibilitavam lucros extraordinários.
Mas há uma visão alternativa. As novas tecnologias criam uma dinâmica de custos decrescentes e grandes economias de escala. A globalização dos mercados e a revolução na tecnologia da informação deflagraram processos schumpeterianos de destruição criadora. O resultado é uma avalanche de fusões e aquisições. As rupturas tecnológicas e o redimensionamento dos mercados tornaram a reestruturação e consolidação dos setores industriais e de serviços um fenômeno global e irreversível.
O maior grau de concentração dentro de setores mais dinâmicos é o corolário da revolução tecnológica, pois “as atividades de logística, distribuição e gerenciamento se beneficiam de custos marginais decrescentes ou mesmo nulos quando apoiadas nas tecnologias de informação”, registram Carl Shapiro e Hal Varian, em “A economia da informação” (1998). A competição entre grupos locais por maiores fatias do mercado interno e entre grupos transnacionais em busca de maior eficiência estaria provocando a concentração setorial, aumentando a oferta e derrubando os preços de bens e serviços. Os defensores da concentração subscrevem essa visão dinâmica da competição.
A importância de novas tecnologias e de produtos inovadores nas margens de lucro das empresas seria maior do que a simples competição de preços entre companhias semelhantes. O fundamental é manter sempre abertos os canais de acesso aos mercados: a livre entrada de novos competidores. Mas nada disso se discutiu sobre a cerveja, a carne, o telefone e os bombons verde-amarelos. Da mesma forma, como explicar por que se estimulam supermercados verde-amarelos enquanto se coíbem frangos verde-amarelos?
Há motivações distintas por trás das fusões e aquisições em cada consolidação setorial. Há os que se adaptam às novas tecnologias e buscam ganhos de escala no mercado interno, redução de custos e maior eficiência para enfrentar a competição global. Há os que se entregam defensivamente às consolidações em busca de sobrevivência, pela brutal compressão de suas margens de lucro, tentando apenas compensar uma taxa de câmbio extraordinariamente baixa, juros e impostos excessivamente elevados. Há mesmo enormes redes de negócios que seriam não mais que coletores de impostos, caso os declarassem adequadamente. E quem explore os mais nobres sentimentos de nacionalismo para, simplesmente, no dizer popular: “Vendeu e não quer entregar”.
Fonte: revista Época
No Comment! Be the first one.