O que mudou 222 anos após o levante mineiro do final do século XVIII
Sabidamente um dos maiores movimentos libertários realizados na história do Brasil, foi a Inconfidência Mineira. A elite mineira, cansada da subserviência econômica, social e cultural ao Reino de Portugal, da derrama fiscal e do chamado “quinto”, ou seja, a tributação exercida pela Coroa Portuguesa sobre a atividade mineira, que atingia a um quinto da produção de minérios gerada, insurgiu-se ante a voracidade fiscal praticada à época.
Passados 222 anos desde então, pouco mudou. Ou melhor, mudou para pior: O que era um quinto passou para dois quintos, ou seja, a carga tributária que correspondia a 20% da riqueza gerada naquele período, praticamente dobrou, passando a perto de 40% do PIB. “Chega de Tanto Imposto!” Esse é o clamor da sociedade contribuinte.
Em suma, podemos dizer que a manutenção da cada vez mais inchada máquina pública da República tupiniquim custa duas vezes mais do que manter o Império tupiniquim. Na verdade, estamos diante da anatomia de um retundo fracasso das instituições governamentais, revelando por vezes uma forma de sucumbência dos poderes constituídos, que se transformaram em veículos para a obtenção de ganhos privados em prejuízo da sociedade contribuinte (famílias e empresas) que verdadeiramente paga a conta através da cada vez maior voracidade fiscal que recai sobre ela, uma pesadíssima carga tributária, que reduz a renda pessoal disponível para o consumo de bens e serviços e a capacidade de investimentos das empresas.
Direto ao ponto: é preciso que se diga e que se saiba que o cerne do problema é o Estado paquidérmico, autofágico, perdulário e ineficiente, que resulta da sua já intolerável voracidade fiscal. Ora, um Estado que gasta muito e que principalmente, gasta mal, acaba inexoravelmente tornando-se deficitário e, para financiar seu déficit, contrai endividamento através da emissão de títulos da dívida pública, daí, a necessidade de manter os juros num patamar real alto e atraente ao público que adquire no mercado, papéis rentabilizados à taxa Selic, para fins de manter em movimento a rolagem da dívida pública em poder do público que hoje atinge a R$1,7 trilhão. Tem-se aí, uma verdadeira relação prazerosa entre o Tesouro Nacional, Banco Central e os bancos visando manter o país solvente.
Mormente, para que o Brasil alcance uma posição de destaque no planeta globalizado, urge a necessidade de avançar de forma célere e profunda nas reformas estruturantes. Aliás, neste aspecto, cabe destacar que sem uma reforma pelo lado da despesa pública, não haverá um equacionamento da questão fiscal de forma a gerar um ajuste fiscal duradouro, situação tal, que tem sido um forte entrave para uma expansão mais vigorosa e duradoura do PIB e a conseqüente geração de oportunidades de negócios, trabalho, renda, bem estar, enfim, prosperidade econômica e desenvolvimento humano.
Veja-se, por exemplo, o que dizia o próprio sagrado guru econômico das esquerdas, Karl Marx, no seu clássico, “As lutas de classe na França”: “… O incremento da dívida do Estado interessava diretamente aos que governavam e legislavam através das Câmaras. O déficit do Estado era precisamente o verdadeiro objeto de suas especulações e a fonte principal de seu enriquecimento. As enormes somas que passavam pelas mãos do Estado davam, além disso, oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”. É, portanto, o próprio Marx quem alertou para o fato de que a corrupção endêmica é filhote da escalada de gastos estatais. Eis aí uma importante lição a ser aprendida pelos nossos governantes.
Não podemos levar 20 anos para fazer as reformas. O último trem está passando, o trem da dinâmica demográfica, uma vez que o país conta hoje e nas próximas duas décadas, do maior contingente populacional em idade produtiva, gente que tem que ser educada, capacitada e qualificada para fins de preencher milhões de vagas de trabalho que são ofertadas pelas empresas no mercado de trabalho e que não são preenchidas justamente por falta absoluta de competências e habilidades, enfim, qualificação.
Sem um salto educacional, o cenário de bônus demográfico não será aproveitado e logo adiante, será substituído pelo cenário de ônus demográfico, com a população inativa atingindo expressivos contingentes e o nefasto risco de envelhecermos pobremente. O mundo não vai esperar pelo Brasil!
Primeiro, temos que definir qual é o tamanho de Estado que a sociedade contribuinte topa suportar. Mormente, surge como inexoravelmente necessária a realização de uma reforma fiscal, completa e profunda, tanto pelo lado da despesa pública, que precisa de um verdadeiro choque de gestão, reduzindo o tamanho do estado, de forma a torná-lo mais enxuto, principalmente no sentido de qualificar o gasto público, quanto do lado da receita, realizando uma reforma tributária que mude radicalmente o atualmente caótico sistema tributário, simplificando-o e reduzindo a pesadíssima carga tributária que recai sobre os ombros da sociedade contribuinte.
Aliás, o atual sistema tributário é uma verdadeira “tapera fiscal”, como bem adjetivou o saudoso ex-senador e ex-ministro Roberto Campos. Já um moderno sistema tributário deve ser alicerçado sob uma estrutura de composição de tributos que sejam insonegáveis, justos, econômicos e, sobretudo, respeitando a capacidade contributiva.
Sobretudo, urge a necessidade de buscar-se a construção de um novo sistema tributário o qual permita eliminarem-se as distorções que o atual e caótico (“tapera fiscal”) sistema provoca. Enfim, tanto a sociedade contribuinte do país, quantos aqueles que podem e devem se beneficiar do quantum arrecadado anseiam sobejamente por um novo sistema tributário que, preferencialmente – através da adoção de políticas racionais, eficazes e eficientes para fins de redução das desigualdades e das grandes mazelas sociais que tanto constrangem e envergonham a todos nós.
Entre tais mazelas, ressalte-se o altíssimo contingente populacional que vive abaixo da linha de pobreza absoluta; do não menos vergonhoso e gigantesco déficit habitacional, visto as condições de habitabilidade até mesmo desumanas que é vivido por grande parte dos “cidadãos” brasileiros, dado a falta de saneamento básico e as condições precárias de moradia, além é claro das péssimas condições de saúde que advém justamente da precariedade habitacional e, por fim, mas não menos importante, o baixo nível de escolaridade média da população, a qual se reflete na baixa produtividade média do trabalho na economia e o conseqüentemente baixo índice de empregabilidade, renda e competitividade das empresas, o que resulta em ampliação da informalidade, da precarização do mercado de trabalho, aumento da desigualdade socioeconômica e do subdesenvolvimento.
O novo sistema tributário do país deve ser sustentado pela criação de um pacto federativo com equidade na repartição do bolo tributário arrecadado entre as diversas esferas (União, Estados e Municípios), que seja compatível com as obrigações e atribuições constitucionais de cada ente federado. O atual sistema de alocação dos recursos arrecadados é um dos principais fatores condicionantes da deterioração das finanças públicas estaduais e municipais, situação que estimula e potencializa a guerra fiscal, uma vez que, 66,8% do bolo tributário ficam com a União; 27,3% com os Estados e apenas 5,9% com os municípios (ex-ante as transferências constitucionais obrigatórias).
Neste contexto, vale lembrar um célebre ensinamento de Maquiavel, em “O príncipe”, sobre as dificuldades e perigos da instituição de uma nova ordem de coisas e que ainda vigora com plena força. Isso porque os beneficiários da ordem antiga lutarão bravamente para mantê-la e os que se beneficiarão da nova ordem irão defendê-la tibiamente porque não tem certeza dos seus benefícios. Tal situação explica, em parte, as dificuldades quase que intransponíveis de se implementar uma profunda, completa e indelevelmente necessária, reforma fiscal e não somente uma reforma tributária, precedida de um real e equânime pacto federativo.
Além disso, é preciso reduzir o custo da arrecadação, que hoje implica num desperdício equivalente a 5% do PIB; simplificar o processo de tributação, que atualmente é extremamente oneroso, tornando-a transparente e facilmente atendido e aceito por todos, o que vale lembrar, constitui-se num princípio tributário dos mais importantes, qual seja, o da aceitabilidade; corrigir as distorções causadas pela alta tributação sobre o salário; eliminar a economia subterrânea/invisível e sua resultante concorrência desleal e predatória; desonerar tributos na exportação, ampliando sua competitividade e finalmente, impor ao bem importado, imposto igual ao que incide no bem produzido internamente, já que a prática do livre comércio, infelizmente ainda é uma utopia do liberalismo clássico na atual ordem (ou será desordem?) econômica mundial, dado ao grau de protecionismo vigente.
Se houver vontade política, determinação, empenho e ações executivas do governo junto aos interlocutores adequados, podem ser implantados um novo sistema tributário, incorporando novos paradigmas e conquistas tecnológicas que já permitem o automatismo da apuração, a impossibilidade da sonegação e a redução, a praticamente zero, dos gastos na cobrança dos tributos.
Tal sistema, que garantirá a receita necessária ao equilíbrio fiscal permanente (no caso da implementação de uma reforma fiscal aos moldes aqui propostos), permitirá a desoneração total das exportações, bem como a isonomia fiscal entre os bens importados e aqueles que aqui são produzidos, colocando-nos em relação a essa matéria, na vanguarda da competitividade em relação aos nossos principais concorrentes no comércio mundial, e ajudará a libertar-nos das dependências externas e internas da nossa economia, ais quais hoje nos limitam, flagelam e nos empobrecem.
E isso pode ser obtido até mesmo com a redução da carga suportada pelos que hoje contribuem, posto que, além da enorme economia na arrecadação, um dos pontos chaves de tal sistema é a eliminação da sonegação sem a necessidade de fiscalização, o que significa dizer que, passando a alcançar os 50% que hoje não pagam, pode-se, em proporções assemelhadas, aliviar a enorme carga dos que pagam e, principalmente, reduzindo o elevadíssimo índice de pressão ou também chamado de esforço fiscal (relação da carga tributária com a renda per capita) que é requerido dos contribuintes, a maior dentre todos os chamados países de economias emergentes, os quais têm o mesmo nível da nossa renda per capita, sem diminuir o quantum de arrecadação. Devemos sim acreditar que o alcance desse objetivo não é nenhum desejo atávico, mas sim, uma real possibilidade a ser atingida.
No tocante à União, vale registrar que em 1991 (época do conturbado governo Collor) as despesas correntes representavam 13,7% do PIB. Passados diversos governos desde então, com vários matizes político-ideológicas, tal número atingiu no ano passado a 25,8% do PIB e o que é pior: com clara e nefasta tendência de crescimento.
Por fim, cumpre lembrar aqui os três conselhos dados pelo consagrado economista Milton Friedman e válidos para qualquer governo: gaste menos, regule menos e cobre menos impostos.
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