Nem precisa procurar muito. Basta passar os olhos (e os ouvidos) pelo noticiário para encontrar uma sequência interminável de falhas de governo. Mais um pouco de atenção e se verifica que governantes e parlamentares propõem sempre dois tipos de solução: aumentar impostos e baixar novas leis e regulamentações. Ou seja, acham que faltam dinheiro e regras. Será?
Hospitais da rede pública municipal do Rio guardam tomógrafos encaixotados há mais de ano, encontrados pela reportagem do “O Globo” servindo de biombos ou bancos. Logo, não faltou dinheiro para a compra. Faltou competência para colocá-los em funcionamento. Autoridades dirão que falta, sim, dinheiro para o custeio, ou seja, para pessoal. Mas então não deveriam ter comprado os tomógrafos, não é mesmo? Os aparelhos lá parados engordam custos de manutenção, sem contar o desperdício e a perda financeira, pois as verbas poderiam ter tido uso melhor.
De todo modo, o caso é utilizado para ilustrar a tese de que o país precisa de numa nova lei para obrigar os governos a gastar mais com saúde, isso combinado com mais um imposto.
Nada a respeito de melhorar a eficiência do gasto atual? Nada.
E por falar nisso: pela Constituição, todo brasileiro tem direito à saúde, e o SUS tem que prestar o serviço a todos, sem cobrar. Entretanto, 45 milhões de brasileiros pagam planos e seguros de saúde privados. Isso denuncia a falha de governo. Reparem: o paciente não paga ao ser atendido, mas o SUS não sai de graça. Os cidadãos pagam por esse direito constitucional — e pagam caro na forma de uma esmagadora carga de impostos.
Logo, quando vão para um convênio privado, estão pagando uma segunda vez, para resolver a falha de governo (o mau atendimento).
Ora, o que deveria fazer o governo? Pedir desculpas e se concentrar na melhoria do SUS, especialmente na eficiência dos gastos, já elevados. Em vez disso, governantes e políticos atacam os planos e seguros de saúde (e seus clientes) com normas e exigências que encarecem os serviços e ainda querem cobrar dos convênios quando seus segurados são atendidos no SUS.
Parece fazer sentido, mas não faz. O que acontece, por exemplo, se o convênio não pagar? O segurado não é mais atendido? Ora, isso seria um crime. Todo cidadão, pagando ou não plano de saúde, tem direito constitucional ao SUS, na hora em que quiser.
Esclarecendo: uma empresa de plano de saúde pode querer colocar seus pacientes em um hospital público de referência. Nesse caso, terá de agir exatamente como faria com um hospital privado: pagar pelos leitos e pelos procedimentos. Mas se um brasileiro passa mal e aparece no hospital público, sendo atendido pelo SUS, e estando satisfeito com o atendimento, tem todo o direito de ficar lá, mesmo que tenha plano de saúde. Este cidadão paga duas vezes, tem direito aos dois serviços.
Resumindo, o problema central está no serviço público, que gasta muito e não entrega os serviços correspondentes. Tanto que governos estaduais e prefeituras, pelo país afora, estão “comprando” leitos em hospitais privados para colocar os pacientes do SUS. É uma ótima alternativa. Em vez de pretenderem ser ao mesmo tempo construtores e administradores de hospitais e fornecedores de todos os serviços, os governos poderiam se concentrar em, por exemplo, atividades de prevenção e “comprar” leitos de hospitais privados, onde estes foram mais eficientes. Pode escrever, vai sair mais barato.
Cadastrar como?
O Ministério do Esporte teve a ideia de cadastrar as torcidas organizadas de futebol, no programa de preparação da Copa do Mundo. Sabe como é, esse pessoal pode comprometer a Copa. OK, mas como cadastrar as 475 torcidas existentes?
Não sabendo, o ministério repassou o serviço para o Sindicato Nacional das Associações de Futebol Profissional e Entidades Estaduais de Administração e Ligas, que atende pela alcunha de Sindafebol. O que diabo é isso? Uma sinecura montada por cartolas e que recebeu nada menos que R$6,2 milhões do ministério para montar o tal cadastramento.
Só que o sindicato é tão despreparado para a tarefa como o governo. Tanto que recebeu o dinheiro e não fez nada. O presidente dessa suposta entidade, Mustafá Contursi, se justificando, disse que avisou o ministério sobre o despreparo. “Dissemos que nunca tínhamos feito isso”, esclareceu, em reportagem de “O Estado de S.Paulo”.
Mas por que, mesmo assim, o Ministério do Esporte incluiu o Sindafebol no programa Torcida Legal, enquadrou o projeto e liberou o dinheiro, tudo sem licitação? Bem, é que o “sindicato se colocou à disposição do ministério”, explicou Contursi. Mas, no processo legal, o sindicato disse que tinha os meios para fazer o serviço.
E agora? O sindicato planeja contratar empresas que entendem do assunto para realizar o projeto. Ora, por que então o ministério não contratou diretamente essas empresas? Por que não privatizou o serviço sem os intermediários?
Parece uma pequena falha de governo, mas é por esse tipo de episódio que se revelam as situações.
Fonte: O Globo, 01/09/2011
Comprar é preciso, fazer funcionar não é preciso. Ou, se preferirem, contratar é preciso, receber o serviço não é preciso. Essa máxima da administração, “expropriada” do poema de Pessoa, explica porque volta e meia encontramos equipamentos caros encaixotados e obras paralisadas. Não é preciso raciocinar muito para entender a razão: o ato da compra ou da contratação do serviço é o momento em que os recursos se movimentam, do público para o privado, gerando propinas e comissões. O resto é o…