Os Estados Unidos da América, ainda são o paradigma possível de uma democracia conservadora da liberdade, malgrado o fascismo insidioso que, vez ou outra, o espreita. Naquele país, à medida que o Estado não é capaz e, ademais, não lhe compete solucionar todos os medos, riscos, problemas e conflitos individuais e sociais, ainda prevalece responsabilidade de cada um por suas escolhas e por seus atos.
Paralelamente, este Brasil, “tristes trópicos”, corredio de se erigir uma verdadeira, conquanto aproximativa, democracia conservadora da liberdade, é objeto experimental de um tipo de fascismo benevolente. Aqui, nesta terra, “em que se plantando tudo dá”, sob os auspícios do Estado, este não somente se reputa capacitado, como também possuidor da competência exclusiva para abrigar e impor todas as soluções possíveis e inimagináveis para os medos, riscos, problemas e conflitos individuais e sociais; não se justificando a responsabilização de cada sujeito por suas opções e por seus atos.
Essa breve digressão presta-se ao propósito de entender as reações dos brasileiros em geral, da imprensa e das autoridades governamentais, diante, por exemplo, de acidentes aéreos. Nos Estados Unidos da América, com 130 mil aeronaves, maior frota do mundo, o governo, ainda que almejasse, não conseguiria fiscalizar e atestar as condições de segurança específica de cada avião. É responsabilidade primordial do proprietário, a quem cabe assumir as conseqüências pela eventual decisão de expor a riscos a segurança patrimonial e pessoal de si e de outras pessoas. Tudo no indivíduo, nada fora do indivíduo, nada contra o indivíduo.
Por outro lado, no Brasil, detentor da segunda maior frota aérea do mundo, com 13 mil aeronaves (10% da americana), o governo se pretende capacitado e competente para atuar em todas as atividades aeronáuticas, inclusive, ressalte-se, fiscalizando e atestando a segurança das aeronaves. Quanta distância da realidade! “Tristes trópicos”, em que o Estado tudo provê, cuida, controla, administra, permite, autoriza, ocupa, proíbe.
Defrontando-se com acidentes aéreos, sobretudo aqueles causadores de vítimas fatais, a primeira reação dos brasileiros, especialmente da imprensa é, manifestando claro viés estatizante, questionar, antes de tudo, se o avião atingido houve-se fiscalizado e autorizado a voar pelas autoridades aeronáuticas. Normalmente, só depois de se buscar saber em que as autoridades estatais falharam, fizeram, omitiram-se, é indagado se o proprietário cumpriu suas próprias obrigações de velar pela segurança da sua aeronave, do seu patrimônio, bem assim de outras pessoas. E, inelutavelmente, mesmo se ele agira negligentemente, a culpa é do Estado, que, “plantando, tudo faz nascer, crescer, desenvolver, frutificar, morrer”.
Aqui, tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado.
Reflexão bem a propósito nesses 5 anos do acidente com o avião da Gol.