A corrupção é um risco inerente da democracia. Não há sistema, regime ou instrumento político perfeito que seja capaz de conter, a priori, o ímpeto dos corruptos. Após a investidura no poder, os acenos da sereia da promiscuidade política são frequentes e reiterados; para não cair em tentação, é preciso o respeito a duas regras básicas comportamentais: decência e correção. Nada mais. Para os honestos, isso não passa de absoluta normalidade, algo corriqueiro e cotidiano. Afinal, quem é decente não se mete em negócios escusos; e, quem é correto bem sabe que a desonestidade é um caminho sem volta. Mas por que será que tanta gente insiste em vestir o véu queimado da corrupção?
Vamos iniciar com um dado singular e não menos importante. Em recente matéria jornalística, foi apurado que, desde de 2008, já houve a cassação de 274 prefeitos, o equivalente a praticamente 5% das municipalidades brasileiras. Acredita-se que até o fim da atual legislatura, o número de cassações irá substancialmente aumentar. Das condenações computadas, 38,1% se referem a casos de improbidade administrativa, ou seja, situações em que moralidade pública foi transformada em simples ornamento de decoração para a festa do ilícito enriquecimento pessoal, direto ou indireto. Em outras palavras, a lei, que deve ser alta e cogente, foi colocada de joelhos, humilhada em sua forma, subjugada em seu conteúdo. Por que e para quê?
Ora, não se trata apenas de uma crença na impunidade de políticos que pensam que são deuses; a origem do problema é outra e mais profunda. O fato é que inexiste política digna com partidos frágeis. A tibieza partidária é a raiz da corrupção. Se as agremiações políticas fossem instituições sérias, com princípios firmes, programas definidos e com uma visão comprometida de bem-comum, bem saberiam que tais desideratos públicos somente podem ser alcançados com homens e mulheres fielmente engajados em tal linha de ação. Ocorre que a vocação política foi substituída pelo profissionalismo de interesses que veio a transformar o jogo do poder em um lucrativo negócio em favor de maiorias parlamentares eventuais. E aí, vale tudo e mais um pouco: alianças espúrias, favorecimentos, fraudes, mentiras e a mais absoluta falta de vergonha na cara. Infelizmente, isso só é possível porque os partidos abandonaram seu papel fundamental de filtrar a honra dos aspirantes à vida pública; hoje em dia, o que importa é apenas a capacidade do camarada atrair dinheiro e, com isso, patrocinar o espetáculo da busca desenfreada por votos. E, nesse teatro do poder, o ocaso político brasileiro é resultado direto e imediato do empobrecimento institucional dos partidos.
Por outro lado, não há dúvida de que a publicidade das cassações é um sinal de que o sistema está a se depurar. Se a desonestidade é lamentável, seria muito pior se o pus da infecção ficasse instalado, irradiando suas consequências deletérias. É claro que mudanças ainda haverão de ocorrer, especialmente no que tange ao sistema recursal que permite ao acusado subverter as instituições processuais para ganhar tempo e ficar no poder no curso do processo. Para tanto, talvez seja preciso garantir, após o julgamento de 2º grau, o imediato cumprimento das decisões; assim fazendo, prestigiaríamos o judicioso trabalho das Cortes ordinárias e evitaríamos que o hiato intertemporal servisse de prêmio à protelação e à chicana processual. Em outras palavras, se não quisermos reduzir os recursos, em face dos riscos potenciais de lesão à ampla defesa, será preciso garantir a eficácia das decisões dos juízes de origem que, após o conhecimento dos fatos e das provas, firmaram soberanamente sua convicção.
Aliás, será que uma decisão condenatória, confirmada pelo órgão colegiado respectivo, não geraria uma firme presunção de que a improbidade existiu e que deve ser exemplarmente punida? Até que o ponto, portanto, o imediato afastamento do cargo não seria a medida que melhor preservaria o interesse público da moralidade e o próprio interesse privado do acusado, que teve oportunidade de defesa e viu sua tese ruir duplamente? Não seria esse o melhor equilíbrio normativo constitucional? Primeiro, enalteceríamos a presunção de inocência; depois, a dignidade das decisões da Justiça. Afinal, se não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, também não se pode dizer que o já condenado em duplo grau seja um anjo e que as decisões já proferidas sejam um nada. Ou será que pode?
Olha, no Brasil de hoje, pode tudo. E, quando tudo pode, não se pode esperar muita coisa.
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