Se às vezes pensamos que a política brasileira é um caos que impede as reformas necessárias, o que dizer de um país que, mesmo numa crise monumental, lida com o problema de forma primária?
Esse é o caso da Itália, que sofre de imobilidade crônica refletida em um primeiro ministro cujas dúvidas maiores resvalam no lançamento ou não de um CD de música romântica.
O caso italiano é um exemplo infelizmente salutar da falência do projeto do euro. Mais do que econômico, o destino europeu é iminentemente político e o exemplo de liderança dado por Berlusconi é um espelho de uma Europa não muito disposta a fazer as reformas necessárias.
Mas o caso italiano é historicamente mais complexo pela perda de liderança econômica e cultural que se arrasta nas últimas décadas. Hoje, não há mais grandes empresas relevantes no país. Mesmo a petrolífera ENI ou a Fiat se transformaram em potências regionais.
A própria Fiat, que nos interessa especialmente, tem no Brasil quase 50% de seu faturamento e outra boa parte dependente da Chrysler americana. Seu poder de competição entre as montadoras no mundo é muito baixo, portanto.
Culturalmente, o país também deixou de ser referência. Na moda, Milão não é mais relevante como é Londres, Paris ou Nova York. O design migrou para países emergentes, especialmente a China.
Mesmo produtos culturais mais intangíveis e que refletem o poder do país como referência também não existem mais. O cinema não tem mais grandes nomes, sobrando um Bellochio ou um Moretti, que não sustentam um país que já teve Pasolini, Visconti e Fellini.
Na literatura há bons escritores como Umberto Eco, mas a nova geração não empolga mais, como é o caso de Alessandro Barrico.
Mesmo o catolicismo, ainda que seja a principal religião mundial, perde espaço para as evangélicas e o islamismo.
Essa falta de referência cultural é apenas reflexo de um país que não tem mais a importância que tinha até os anos 70.
Vale aqui ilustrar o artigo com a metáfora proposta no novo filme de Nani Moretti, “Habemus Papam”, em que o papa escolhido entra em crise de consciência e a cúria católica resolve tratá-lo com psicanálise. Um tratamento de choque impensável em tempos idos, mas como última tentativa para salvar a escolha do Santo Padre, que no final redunda em nada.
Numa das cenas do filme, os 120 cardeais pedem a Deus em silêncio para não ser o escolhido. É claro que cada um ali quer ser o próximo papa, menos o escolhido de fato, claro, mas entre o desejo e saber o que fazer quando no poder há uma longa distância e é disso que padece a Itália hoje.
Ninguém por lá parece considerar que o país se tornou irrelevante, e a ação necessária acaba ficando aquém daquilo que o país precisa de fato.
Essa ilha da fantasia, justamente pela inaptidão política, é o candidato natural a deflagrar uma crise mais séria depois que a Grécia for expelida do euro.
Sim, afinal, a essa altura, fica difícil imaginar que os gregos terão condições de se manter unidos à região. E os italianos não estão longe desse destino.
Fonte: Brasil Econômico, 07/11/2011
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