Seguidamente me lembro de Raul Pilla; quem conheça os vínculos que me ligaram, anos a fio, ao modelar homem público não terá por que surpreender-se. Ainda estudante, os primeiros passos que dei na vida política foram sob sua inspiração e essa ligação intelectual e afetiva prosseguiu até sua morte. Mas agora as minhas lembranças se prendem mais aos sucessos que na Europa vão engolindo governos após governos, na medida em que perdura a crise que lá irrompeu e continua a desdobrar-se. De repente, torna-se evidente que uma nova realidade passa a ocupar o cenário. Desnecessário lembrar que lá o modelo parlamentarista é dominante e ele permite rápidas adaptações aos novos tempos.
Ora, o constante defensor da ideia parlamentarista sustentava vezes sem conta que a estrutura parlamentar, por sua funcionalidade democrática, permitia a adaptação a situações novas, coisa que o sistema presidencial, de períodos fixos, dificilmente pode ensejar, quando os fatos não se submetem a prazos prefixados nem esperam que estes se escoem.
O que vem ocorrendo em países europeus, parlamentaristas ou mistos, mostra que a crise dominou e parece continuará a reger a fase que está longe de chegar a seu termo. E, desse modo, governos vão cedendo espaço às circunstâncias emergentes, permitindo e recolhendo as transformações em curso. No regime presidencial, em que o parlamentar eleito por quatro ou cinco anos e o presidente também por quatro ou cinco anos é eleito, o governo pode tornar-se arcaico em relação a realidades nascentes ou nascidas e o país amarrado a um passado que não vai voltar.
Um conflito bélico, uma epidemia que se alastra, uma crise econômica mundial podem mudar o quadro mais otimista ao reclamar outros condutores. A título de exemplo, Chamberlain, ao retornar da Alemanha, anunciou a paz para uma geração e depois de Hitler haver engolido a Tchecoslováquia e a Áustria, com a premissa de que nenhuma reivindicação territorial tinha a mais, a 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia, se inicia a terrível hecatombe da II Guerra Mundial; pouco depois, após a queda de Paris e a capitulação da França, em junho de 1940, Chamberlain cedia seu lugar a Churchill, numa cerimônia de horas.
O que vem surgindo na Europa tem o ímpeto dos acontecimentos da natureza e é visível a olho nu, sob o regime presidencialista o calendário registraria que as mutações devem aguardar um, dois ou três anos marcados, quando não ocorre uma quebra institucional; destarte, os malefícios da mora já seriam irreparáveis; o que está acontecendo no velho continente parece ser uma lição experimental de alguns segredos institucionais referentes à necessidade de adotar medidas imediatas às realidades que invadem o quotidiano.
Sob o sistema parlamentarista, o Executivo não tem prazo de duração predeterminado, dura enquanto contar com a maioria parlamentar e o Legislativo pode ser dissolvido no curso da legislatura, para que a nação possa imprimir orientação atual em face da subversão factual verificada.
O caso da Itália é ilustrativo. O chefe do governo lembrou um condottiere dos velhos tempos, que se permitiu ostentar licenças pouco ortodoxas. Possuidor de imensa fortuna, inclusive publicitária, era um soberano. Eis senão quando perdeu a maioria parlamentar, sob as vergastadas do dia a dia; ao presidente da República apresentou sua renúncia ao cargo. Em dias, um novo governo estava constituído e o governo italiano, com outra cara.
Fonte: Zero Hora, 21/11/2011
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