Tem sido uma preocupação do PT o tal do controle “social” da mídia. Principalmente da ala do partido ligada a José Dirceu. Isso lembra um pouco o início da revolução comunista na Rússia. Todo o pessoal que fez a Revolução de Outubro de 1917 estava convicto de que a convivência do comunismo com a liberdade de opinião seria impossível. Embora tanto o ideólogo – Karl Marx – como os ativistas – Lenin e Trotsky – se tenham valido dos jornais para divulgar as suas ideias, não confiavam neles.
“A imprensa serve aos interesses burgueses”, argumentaria Antonio Gramsci alguns anos depois. Ela serve aos interesses de seus proprietários e cuidará sempre de passar ao povo, como notícias, aquilo que nada mais é do que a versão que importa aos patrões. As massas serão sempre retratadas como volúveis e perigosas turbas. As vozes burguesas serão sempre sensatas e ponderadas, enquanto as revolucionárias serão apresentadas como radicais e irresponsáveis. Daí a concluir que, a bem da revolução, a imprensa deve ser controlada é apenas um passo.
O PT, que nasceu de uma insólita aliança entre padres progressistas, sindicalistas exacerbados e intelectuais de esquerda, apesar de se preocupar, hoje em dia, apenas com a manutenção do imenso poder que amealhou, de quando em quando ainda se dá ao trabalho de dar uma satisfação ao pessoal antigo – aquele que ainda leva ideologia a sério. A luta a ser empreendida, agora, é contra os excessos que vêm sendo cometidos pela grande mídia.
Tática antiga, eles evitam bater de frente com o sagrado direito à informação, algo que até o mais ferrenho dos petistas respeita. O que é pedido à militância e à opinião pública em geral é que se proceda a uma análise desapaixonada da questão.
Será que, aqui, no Brasil, com essa imprensa que temos, o povo está sendo bem informado? Segundo eles, tudo é controlado por não mais que meia dúzia de organizações de comunicação: a Rede Globo de Televisão, a revista “Veja”, jornais conservadores como “O Estado de S. Paulo” e a “Folha de S.Paulo” e alguns mais são chamados pelos blogs petistas de “PIG”, o Partido da Imprensa Golpista.
Golpista por quê? Por acaso algum desses órgãos de imprensa ousou tramar um golpe de Estado contra o legítimo e democrático governo do PT? Segundo os petistas, a resposta é sim. Todos eles, em comum acordo, passaram ao povo, em 2005, a falsa impressão de que teria existido um esquema de pagamento mensal, em dinheiro, aos parlamentares que se dispusessem a votar favoravelmente aos interesses do governo. Esse fato, caso comprovado, subverteria de vez todo e qualquer vestígio de respeito às regras do jogo democrático. Lula, o metalúrgico, seria capaz de tamanha sordidez? O ex-presidente jura que não. Mas seu então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu, leva todo o jeito de que sim: ele, sim, se disporia a fazer esse tipo de trabalho.
Dirceu, em função da malvada campanha que a “grande mídia” empreendeu contra ele, foi obrigado a renunciar ao cargo no Executivo. No momento seguinte, foi a própria Câmara dos Deputados que lhe cassou o mandato parlamentar e o condenou a oito longos anos sem direitos políticos. Como é que ele faz, agora, para viver? Simples: tornou-se um bem-sucedido consultor de empresas, às quais vende as suas evidentes qualificações, adquiridas nas suas experiências no centro do poder. Administra também um blog, no qual apresenta as características de um guerrilheiro, que nunca foi, e de um “injustiçado”, que parece nunca ter sido.
Se houve ou não o tal do “mensalão”, a decisão, agora, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF), no qual estão enredados o próprio Dirceu e mais 39 supostos membros do esquema. Os acontecimentos, por enquanto, têm sido desfavoráveis ao romântico “bandoleiro”. O STF acolheu a denúncia contra o esquema e o procurador-geral da República já apresentou o seu parecer, no qual pede a condenação dos réus e põe Dirceu na condição de “chefe da quadrilha”. O julgamento está para ocorrer no ano que vem.
O “mensalão” nunca existiu? Essa é a linha de defesa apresentada pelo PT à opinião pública. Não poderia ser de outra forma. Admitir a existência do esquema e, ao mesmo tempo, isentar figurões do partido é tarefa impossível. Por essa razão o melhor a fazer é dizer que tudo não passou de uma grande armação da grande imprensa. A qual deve ser submetida a algum tipo de “controle social”, para que não venha, no futuro, a cometer semelhantes barbaridades.
Mas se o esquema nunca existiu, por que havia tantos políticos na folha de pagamento do “carequinha” Marcos Valério? Ora, alegam os petistas, tudo não passou de um ajuste de contas entre os parlamentares, para o qual foram utilizados “recursos não contabilizados” de campanha. Isso parece mais uma bela história criada por advogados do que uma tradução fiel da realidade.
Já tivemos oportunidade de tratar desse tema em artigo anterior – Manual da picaretagem intelectual (9/9). Para quem não o leu, trata-se de um ensaio baseado em obra postumamente publicada do filósofo Arthur Schopenhauer, a qual recebeu o sugestivo título “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”. Uma de nossas advertências era a seguinte: não acredite em histórias perfeitas, daquelas que têm explicação para tudo. A realidade não produz enredos perfeitos. Os que existem não passam de elaborações humanas.
Os advogados são pagos para isso. Para produzir bons enredos que expliquem o inexplicável. Os causídicos eficientes são aqueles que não se impressionam com o fato de Cristo ter ressuscitado os mortos. Afinal, quando querem, eles também conseguem fazer isso. O que eles não entendem, mesmo, é por que o Altíssimo nunca mandou a conta.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/11/2011
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