O prejuízo que a corrupção traz para o país causa impactos em vários âmbitos. Há o enfraquecimento político, o institucional e as perdas diretas dos recursos que não são aplicados nos destinos determinados por lei. Na economia, ela prejudica o relacionamento para negócios, um ambiente onde a transparência e credibilidade representam mais lucro, mais produtividade e mais emprego.
Criada há onze anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal é um importante instrumento para a segurança econômica do Brasil e uma tentativa de garantir que um caminho seguro e eficiente para o dinheiro público. Leia a entrevista com o economista Felipe Salto, conheça a visão do especialista sobre os ganhos que a LRF trouxe para o país e veja quais são os meios de acompanhar as contas do seu município, estado e da união.
Para o especialista, a LRF, aprovada no final dos anos 90, foi um marco para o saneamento das conta fiscais na federação, mas outro importante passo ainda precisa ser dado no combate à corrupção: o Estado precisa limitar o gasto com pessoal, cujo percentual de crescimento é quase igual ao do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Afinal, orientar as contas públicas criando mais instrumentos para que elas sejam aplicadas onde devem é um mais um modo de combater a corrupção.
Instituto Millenium: A Lei de Responsabilidade Fiscal foi um avanço no combate a corrupção?
Felipe Salto: O primeiro ponto para entender a Lei de Responsabilidade Fiscal é lembrar em que contexto ela foi concebida. Do ponto de vista institucional, a LRF representou um marco nas finanças públicas e junto com outras medidas, no âmbito fiscal, ajudou a consolidar o saneamento das conta fiscais na união, nos estados e nos municípios, principalmente nestes.
Antes da lei de Responsabilidade Fiscal, que é a lei complementar 101, de 2000, houve a renegociação da dívida dos Estados, em 1997. Os Estados foram proibidos de emitir dívidas públicas e a União passou a comprar as dívidas como forma de controlar as finanças públicas. E até hoje o que acontece é que os Estados pagam os juros dessas dívidas para a União. Graças a negociação, o patamar de endividamento dos Estados, no final da década de 90, se reduziu bruscamente ampliando a capacidade de gastos sociais e de investimentos em infraestrutura. Ainda que a restrição tivesse representado uma perda de autonomia dos Estados, esse foi o grande ganho do ajuste fiscal negociado lá atrás. A Lei foi muito necessária para o controle do verdadeiro caos fiscal em que se encontrava o país.
Havia casos em que bancos e governos estaduais usavam as instituições para se autofinanciar, emitiam dívida pública para financiar resultados negativos, para justificar a elevação de gasto irresponsável.
Então o primeiro e grande passo da Lei foi o saneamento das contas estaduais e a renegociação da dívida em 1997. Apesar de custoso do ponto de vista político, a Lei gerou benefícios importantes. Permitiu aos Estados uma maior liberdade para criar seus investimentos e gastos sociais e ganhar credibilidade junto a organismos nacionais para contrair operações de crédito e operações de financiamento junto ao BID (Banco Internacional de Desenvolvimento).
De vista do combate à corrupção, a LRF foi importante para garantir uma maior transparência na alocação de recursos públicos. Porque no fundo as contas públicas são: a arrecadação e o direcionamento desses recursos. O quanto a sociedade consegue acompanhar desse processo é uma medida de o quanto o país consegue ser mais ou menos republicano. Não o patamar da carga tributária ou seu tamanho, mas a eficiência do sistema de tributação, a eficiência na alocação do recurso e a transparência do processo.
Instituto Millenium: Como a LRF funciona?
Salto: A Lei de Responsabilidade Fiscal fixa alguns parâmetros de comportamento dos estados, municípios e união, que precisam arrecadar e exercer políticas públicas, direcionar gastos com áreas determinadas como saúde, educação, segurança, transporte, ou seja, aquilo que a sociedade define como prioridade. Afinal, o Estado existe para isso. E precisa ser eficiente, republicano – na medida que possui instrumentos que evitem que o patrimônio público seja apropriado indevidamente, que impede que os interesses particulares estejam acima dos interesses públicos.
Como criar regras para que a democracia seja insulada desses interesses particulares? A lei, o conjunto de regras existe para que o Estado seja voltado para os interesses coletivos e a LRF é um exemplo dessas regras.
Ela define qual o patamar limite para o gasto com pessoal, com o funcionalismo – em porcentagem da chamada receita corrente líquida – e o quanto que os estados podem contrair de dívida, qual foi o limite e o tempo para reduzirem o patamar de dívida. Havia estados com mais de 200% de dívida em relação a receita. Esses balizadores permitiram que os estados e municípios se ajustassem.
Imil: Em termos de credibilidade para o ambiente de negócios, o que a LRF trouxe para o Estado brasileiro e como isso afetou o relacionamento com instituições internacionais? E para a transparência?
Salto: Ter credibilidade é o país ter legitimidade para obter financiamentos. Ninguém empresta para quem não tem credibilidade ou não é bom pagador. A LRF é uma espécie de selo. A união, os estados e os municípios brasileiros seriam confiáveis e teriam contas saneadas. A grande vantagem da Lei é que ela permitiu que de fato as contas tivessem melhorado. A dívida se reduziu, o superávit primário melhorou e o nível de investimentos aumentou, não como a gente gostaria, mas o espaço para investimentos aumentou, os negócios de boa qualidade aumentaram e a transparência fiscal aumentou.
Hoje existem diversas iniciativas como o Portal da Transparência, do governo federal, que ainda é pouco divulgado, pouco conhecido, o portal Siga , do senado federal, que começam a tornar o governo mais aberto.
Tudo isso faz parte da nossa evolução institucional. A responsabilidade fiscal foi colocada no bojo na política macroeconômica como um dos pilares da estabilidade e um dos pilares para sustentar o que seria a política de crescimento econômico. Recentemente essa política foi abalada com a chamada contabilidade criativa em que mecanismos para distorcer o superávit primário foram utilizados, mas não a ponto de deteriorar a LRF. Essa é a importância de medidas institucionais que ficam para a posteridade.
O que se precisa agora é dar um passo além da LRF e pensar como melhorar a qualidade do gasto público. Os investimentos nesse sentido ainda são muito baixos. A formação bruta de capital fixo, que é o quanto o país investe, ainda é muito baixa, menos de 20% do PIB. A média do governo FHC era 17% do PIB, a média do governo Lula, idem, 17% do PIB, recentemente este patamar aumentou para próximo de 18, 19% do PIB, mas ainda é muito baixo para um país que pretende ampliar suas taxas de crescimento e onde ainda há muita desigualdade.
Se o país pretende reduzir a sua desigualdade – e o Estado tem um papel importante aí, através do fomento à iniciativa privada e à boa regulação do mercado, além da atuação através de boas políticas – ele precisa ser eficiente, alocando bem os recursos, tributando bem e gastando bem. Para isso, precisa fixar regras que limitem o gasto com pessoal. Hoje, esse gasto cresce muito próximo do crescimento do PIB, e deve ser substituído pela boa despesa, que é a com saúde e educação.
Imil: Quais são os outros instrumentos de controle de divida pública?
Salto: A divulgação pelo Banco Central, mês a mês, das notas de política fiscal podem ser acompanhadas por qualquer cidadão no site do Banco. A imprensa, que exerce o papel de mostrar se o governo está sendo ou não solvente – que é quanto o governo está tendo de participação do PIB, – a sistematização de informação através da transparência nos organismos oficiais (alguns já citados), são mecanismos de controle importantes.
Imil: Quais são os gargalos, o que falta aprimorar na Lei?
Salto: As mudanças não vão ocorrer do dia para a noite. Como diz o Bresser Pereira (economista, advogado e ex-ministro da Fazenda), a gente já conquistou os direitos sociais, os direitos civis e os direitos políticos, agora nós caminhamos para conquistar os direitos chamados republicanos, que vão constituir o Estado Republicano:,transparente, justo e mais atuante em políticas públicas que efetivamente tragam benefícios para o cidadão. Se a gente conseguir caminhar nesse sentido, ainda que não no ritmo em que todos gostariam, talvez a gente esteja na direção correta.
Imil: Existe alguma lei que seja complementar à Lei de Responsabilidade Fiscal e que esteja faltando?
Salto: Uma recomendação que eu sempre faço é que a Lei de Diretrizes Orçamentárias deveria ter uma parágrafo que limitasse o crescimento da despesa com pessoal a 50% ou 60% da taxa de crescimento do PIB prevista para os próximos anos.
Isso permitiria direcionar essa sobra, que é a diferença entre a taxa de crescimento de gasto com pessoal prevista e a taxa do crescimento do PIB prevista, para investimentos ou para obter um resultado primário maior. Essas duas estratégias permitiram reduzir a taxa de juros e aumentar o investimento total da economia.
LRF, finalmente Lei, Rei e Fé, no país sem LL RR FF….