O jornal “O Globo” publicou o artigo abaixo que expressa a opinião sobre a ameaça a liberdade de expressão na Argentina. Para o veículo, o controle da produção e distribuição de papel de jornal pelo Estado, defendido pela presidente Cristina Kirchner, representa uma agressão aos princípios democráticos.
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, inicia seu segundo mandato acelerando a adoção demedidas restritivas à liberdade de expressão, o que enxovalha as credenciais democráticas do país, de resto já bastante arranhadas nos dois mandatos anteriores do casal K. Com a ampla vitória eleitoral obtida em outubro, que deu aos kirchneristas maioria nas duas Casas do Congresso, o governo apressou-se em submeter à Câmara o polêmico projeto que declara deinteresse público a produção e distribuição de papel de jornal, abrindo caminho para maior intervenção estatal neste que é um insumo vital para a imprensa. Cristina tentara aprovar projeto similar em 2009 e 2010, mas não contava então com o número necessário de votos.
Não há surpresa, portanto. Os governos K têm tendências caudilhescas e pontos de contato com o modelo criado por Hugo Chávez na Venezuela, com um Executivo cada vez mais forte, emdetrimento dos demais poderes. A imprensa profissional e independente é considerada uma perigosa inimiga tanto na Venezuela quanto na Argentina, pois “ousa” pautar seu comportamento pelo interesse público e não pelo dos governantes. Para sanar este “defeito”, o Estado avança sobre os meios de comunicação privados e cria uma rede de veículos – jornais, emissoras de rádio e canais de TV – que se torna porta-voz da “verdade” oficial.
Na Argentina, a queda de braço se dá em torno da empresa Papel Prensa, que pertence majoritariamente aos grupos de comunicação “Clarín” e “La Nación”, tendo o Estado argentino como acionista minoritário. Ela fornece 74% do papel consumido pela imprensa argentina e vendepara 440 diários. O projeto aprovado na Câmara, a ser submetido ao Senado esta semana, dá ao Estado o poder de determinar quanto as produtoras de papel devem investir e a que preço vender seus produtos. Determina também que a Papel Prensa deve abastecer todo o mercado argentino, e que o Estado fará o investimento necessário para tal se os acionistas privados não o fizerem.
Aqui se abre a porta para o Estado aumentar sua participação em detrimento dos acionistas privados, que já sofrem intensa pressão do governo – por exemplo, via restrição da propaganda oficial – devido a seu caráter profissional e, portanto, crítico e independente. Para a SociedadeInteramericana de Imprensa (SIP), o projeto da Casa Rosada “fere princípios fundamentais daliberdade de imprensa estabelecidos na Declaração de Chapultepec, em tratados assinados pelo país e no artigo 32 da própria Constituição argentina”.
Outro dos primeiros atos de Cristina Kirchner foi retomar a pressão sobre o Judiciário para que sejam derrogadas as liminares que suspenderam a aplicação do artigo 161 da Lei de Meios Audiovisuais. Ela obriga o grupo Clarín a vender boa parte de seus canais de TV e emissoras derádio.
A justificativa é aumentar o pluralismo na oferta de informações ao público – discurso também usado no Brasil. Mas o que realmente está por trás é o desejo de enfraquecer economicamente as empresas de comunicação, tornando-as mais dependentes da publicidade oficial; portanto, mais “dóceis”.
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