A presidente Cristina Kirchner, da Argentina, pode dizer o que quiser. Pode dizer que, se não fosse vítima de uma campanha sórdida movida pelo grupo de comunicação Clarín, certamente não teria tomado medidas de força que culminaram na estatização da produção de papel-jornal ou na ocupação, ontem, da sede da emissora de TV por assinatura do maior grupo de comunicação do país.
Pode até tentar convencer a opinião pública de que nada teve a ver com a ordem de ocupação do prédio. A presidente pode fazer o que bem entender, mas jamais convencerá a quem quer que seja de que age em nome da democracia.
Ao querer governar um país sem imprensa, Cristina Kirchner age em nome da própria vaidade e em nome de interesses que, com certeza, ainda custarão muito caro a seu país.
Um país que herdou de épocas anteriores um patrimônio inestimável: uma população com níveis de educação muito superiores aos do Brasil, seu vizinho e, mais do que maior parceiro comercial, uma espécie de tábua de salvação.
Se não fosse o bom momento da economia brasileira, com certeza, a situação da Argentina seria ainda mais precária do que já é.
Nos últimos anos, pode-se dizer que a economia argentina tem exibido números formidáveis. Com exceção de 2009, quando o mundo inteiro sofreu os efeitos da crise internacional e seu crescimento foi ligeiramente inferior a 1%, o PIB argentino tem crescido entre 7% e 9% desde 2003.
É daí que Cristina tira poder para cometer os abusos que comete – mas é também daí que se enxerga o tamanho do problema que ela tem pela frente. Nem essas taxas elevadas e muito menos as medidas protecionistas absurdas de seu governo são capazes de atrair os investimentos industriais que poderiam sinalizar um futuro mais auspicioso para a economia.
Por mais que a economia argentina tenha avançado desde a posse de Néstor Kirchner, marido e antecessor de Cristina, morto em 2010 e que se tornou presidente em 2003, a Argentina passa a impressão de estar parada.
Esse, aliás, é o único dos problemas que não podem ser cobrados da presidente: os obstáculos que impedem o país de se modernizar vêm sendo erguidos há anos, e tudo o que se conseguiu desde que o declínio tornou-se inquestionável (ali pelos anos 1970) foram espasmos de crescimento, como o dos primeiros meses do Plano Austral, no início dos anos 1980, o dos primeiros anos do governo Menem, nos anos 1990, e o momento atual.
O problema que deu origem à situação argentina é parecido com o que justifica a crise europeia. Quando tudo ia bem ao sul do rio da Prata (e, de fato, a economia argentina chegou a ser uma das mais pujantes do mundo), o governo iniciou uma política distributiva intensa.
Os recursos públicos foram destinados a garantir o bem-estar da população, o que é positivo. O problema é que isso criou uma demanda tão forte por mais benefícios que até hoje, e sem que o governo tenha condição de atendê-la, a população reivindica a volta ao passado. A Argentina tem salvação.
Mas sua presidente, em lugar de se aproximar da imprensa e abastecê-la com informações que exponham a verdade à população, quer calar os jornais com medidas discricionárias. Com isso, ela erra o diagnóstico, o remédio e a dose. Erra tudo.
Fonte: Brasil Econômico, 21/12/2011
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