O euro vai sobreviver à crise em curso? Quais os riscos de fracasso do projeto europeu e de suas graves repercussões mundo afora? Não é fácil responder a essas questões, mas o exame da evolução do processo de integração europeia e de suas motivações mostra que há razões para acreditar na sobrevivência dessa moeda.
O euro é uma das fases da integração europeia, o mais ousado projeto político da história. A ideia começou a circular após a I Guerra e ganhou impulso ao término da II, como forma de evitar a repetição dos horrores dos dois conflitos, em que morreram mais de 70 milhões de pessoas. Ambições territoriais haviam causado guerras, motivação que desaparecia com o projeto.
O Congresso de Haia (1948), do qual participaram Winston Churchill (1874-1965) e outros líderes europeus, lançou as bases do projeto, para cuja consecução os países renunciaram a parcela de sua soberania. O sonho de Churchill e de outro grande pai fundador do bloco, o francês Jean Monnet (1888-1979), era formar mais tarde os Estados Unidos da Europa.
A integração permitiria à Europa enfrentar a ameaça soviética, negociar em pé de igualdade questões de segurança e comércio com os Estados Unidos, recuperar-se dos estragos da guerra e promover o estado de bem-estar social. Esses objetivos foram atingidos. A paz se consolidou. Os membros do bloco não guerreiam entre si há 66 anos, o maior período em muitos séculos.
O projeto deu partida com o Tratado de Paris (1951), que criou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. O Tratado de Roma (1957) lançou o Mercado Comum Europeu. O Tratado de Maastricht (1992) estabeleceu a União Europeia e as bases da moeda única.
O euro nasceu sem as precondições para sustentar-se. O bloco não era uma área monetária ótima. Assimetrias de produtividade entre os países requereriam uma união fiscal, com um governo central forte e capaz de fazer transferências para reduzir essas desigualdades, como ocorre em federações como a brasileira e americana.
A crise iniciada com a insolvência da Grécia – que se espalhou para Portugal e Irlanda – realçou as fragilidades da moeda única. O risco de espraiar-se para Espanha e Itália produziu temores de desintegração da zona do euro. A saída que alguns advogam seria o abandono da moeda pela Grécia e por outros países, que assim poderiam restabelecer suas antigas moedas e desvalorizá-las, recuperando a competitividade e as condições para voltar a crescer. Ocorre que isso poderia disparar crises bancárias que contagiaram outros países, sob o risco de graves e imprevisíveis consequências econômicas, sociais e políticas. No dizer da revista The Economist, voltar às antigas moedas seria o mesmo que tentar pôr a pasta dental de volta no tubo.
A dívida pública desses cinco países é de 3,3 trilhões de euros, mais do que o PIB da Alemanha. Somente o Banco Central Europeu (BCE) teria capacidade de acalmar os mercados, garantindo a compra ilimitada de títulos públicos da zona do euro. Os alemães resistem a isso com bons argumentos. Transformar o BCE em emprestador de última instância para governo, dizem, violaria os tratados. Minaria a independência do banco e sua capacidade de preservar a estabilidade da moeda. Desapareceria a pressão para realizar as reformas de que aqueles países precisam para pôr em ordem as finanças e restaurar a competitividade. As emissões de moeda provocariam inflação, que os alemães abominam. O presidente do BCE, Mario Draghi, tem repetido esses argumentos.
Mais do que princípios e risco de inflação (baixos diante da recessão que se avizinha), o que está em jogo é a moeda única e a integração. “Se o euro fracassar, a Europa fracassará”, disse com razão a chanceler alemão Angela Merkel. Manter o euro é, pois, a ação de menor custo. Moedas antigas podem reviver, mas sob o risco de crise financeira e quebra de grandes bancos.
O desafio europeu está posto. Vencê-lo implicará baixo ou nenhum crescimento por alguns anos. O fracasso seria catastrófico para a Europa e para o mundo. Se a crise se agravar, os alemães e/ou o BCE terão de aceitar o uso do banco para salvar o euro.
Fonte: Veja, 28/12/2011
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