O tema era o mergulho de cabeça da Europa continental nesta grande crise financeira contemporânea. O anfitrião, um conhecido e competente banqueiro de investimentos em São Paulo. Foi um jantar para uma dúzia de pessoas em torno do fundador de uma das maiores empresas de gestão de recursos do mundo, um pouco antes da virada de ano 2011-2012. O convidado falava de seu otimismo com a economia americana e de suas preocupações com o futuro da economia chinesa. “O desaquecimento da economia mundial, particularmente o esfriamento da Europa, derrubou as exportações da China, principal fator de crescimento de sua economia. E tenho dúvidas quanto a sua capacidade de compensar a perda de dinamismo externo com o estímulo ao consumo interno”, afirmou.
Para ilustrar seu raciocínio, o convidado argumentava, jocoso: “Após inúmeras viagens a nosso quartel-general na China, fui surpreendido por uma de nossas secretárias vestida com o que parecia ser o mais moderno visual ocidental. Exibia marcas de grife inequivocamente nossas. Pensei que se tratasse, finalmente, de uma ampliação dos hábitos de consumo dos chineses. Quando a elogiei, respondeu-me que eram todas cópias falsificadas, “made in China”. Concluí, então, que não podemos contar com a expansão do consumo chinês”.
Ora, nosso ilustre convidado deveria ter percebido que a produção chinesa de cópias de grifes ocidentais, esta sim, vem sendo estimulada pela ampliação dos hábitos de consumo de sua secretária. Produção chinesa reforçada, a esta altura, pelas compras de suas secretárias americanas e europeias. O que significa que não só a desaceleração das exportações chinesas é mais lenta do que parece, como também que se expande o consumo de massa no mercado interno chinês.
E, para que se preocupasse o convidado um pouco mais com seu próprio país, perguntou-lhe um brasileiro se sabia a diferença entre americanos e alemães no tratamento das quebras bancárias. “Quando os corpos nus estendidos no chão são encontrados pelos alemães, ouve-se: “Contem os cadáveres, procurem os culpados, pagarão por seus erros”. Dos americanos, ouvem-se sussurros: “Vistam os cadáveres, coloquem-nos sentados e vamos fingir que estamos conversando”.
Definitivamente, há um abismo entre o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e o Banco Central Europeu (BCE). O Fed quer inflar os preços dos ativos para camuflar as perdas com a farra do crédito. Transfere para os contribuintes os custos das operações de salvamento. O Banco Central Europeu se comporta como instância dominante, forçando os tesouros nacionais a apertar os cintos. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O euro já trazia embutida uma exigência de responsabilidade fiscal, que os alemães acabam de tornar explícita. Para os europeus, esta virada de ano 2011-2012 registra o aprofundamento do Tratado de Maastricht, com maior coordenação das políticas fiscais.
Para os financistas anglo-saxões, pragmáticos e superficiais, o final de 2011 foi o momento em que o euro quase acabou. Dizia o filósofo que, sob a óptica do martelo, tudo o que existe são pregos. Querem o BCE com a mesma hiperatividade do Fed. Querem também uma autoridade fiscal europeia coordenando as políticas fiscais nacionais, para a sobrevivência da moeda única. Ignoram um contraexemplo histórico: o ouro circulou por milênios como moeda universal sem coordenação de governos locais. São diferentes as origens dessas distintas instituições: uma coisa é a moeda, outra coisa é o crédito. Uma coisa é a cotação do euro, outra é o spread de risco das dívidas soberanas.
É claro que, nos modernos regimes de moeda fiduciária, a capacidade dos governos de extrair e transferir recursos amortece efeitos desfavoráveis da adoção da moeda única sobre as regiões mais frágeis. Mas os alemães estiveram dispostos a correr os riscos de aprofundamento da crise de liquidez bancária, freando a atuação do BCE como emprestador de última instância, para exercer pressões de ajuste orçamentário sobre os demais governos europeus. O futuro da Europa será decidido em 2012.
Fonte: Época, 09/01/2012
os 27 estados-membros da união europeia se encontram numa situação de avançar ou regredir. avançar a política que uniu os países numa livre circulação de pessoas e bens, incluindo-se nisso a criação de uma moeda comum, o euro. ou regredir por conta de nacionalismos e crises do bloco e de isoladamente de seus países integrantes. trata-se de um erro enorme o ceticismo em relação à prosperidade política e econômica da união europeia.