Num comunicado discreto, a Embraer (terceira maior fabricante de aviões do mundo) anunciou ontem que seu ex-presidente Maurício Botelho deixou o comando do conselho de administração da companhia.
É o fim de um ciclo importante – e a discrição do comunicado, com certeza, se deve mais ao temperamento de Botelho do que a qualquer outra razão.
Mais do que o presidente que conduziu a companhia em seus primeiros anos de existência no lado privado da economia, Botelho foi o responsável por uma mudança de postura que ajuda a explicar a grande metamorfose da Embraer – que deixou de ser vista como um elo fraco no mercado da aviação para se firmar como um dos mais respeitados fabricantes de jatos do mundo.
O trabalho não foi fácil. Em primeiro lugar, ele substituiu no posto uma lenda viva da aviação brasileira, o engenheiro Ozires Silva, o fundador da companhia.
Além disso, havia uma questão cultural importante. Em sua fase estatal (que durou da fundação, em 1969, até a privatização, em 1994), a Embraer, até por exigência do modelo sobre o qual ela havia sido criada, tinha sua grande força na área de engenharia e de projetos.
Fabricava bons aviões, mas falhava na comercialização. Esse modelo, somado aos maus momentos que o Brasil atravessou nos anos 1980 e 1990, cobrou um preço elevado da companhia, que estava à beira da falência quando foi levada a leilão.
Ao ser vendida, uma das primeiras missões de Botelho foi explicar ao mercado que não estava ali para enterrar a companhia, mas para ressuscitá-la.
As chances de sobrevivência, naquele momento, dependiam do sucesso de um avião que já estava em produção na época da privatização, o ERJ 145. Concebido ainda na época de Ozires, o aparelho que marcou a entrada da Embraer na era dos jatos para passageiros tinha um modelo de produção ousado.
Por ele, alguns fornecedores tornavam-se parceiros de risco do projeto. A empresa responsável pela produção das asas, por exemplo, seria remunerada à medida que o avião fosse vendido.
Esse modelo tornou-se mais vantajoso para os parceiros depois da chegada de Botelho, que promoveu uma revolução na área comercial da empresa. Espalhou vendedores pelo mundo, ouviu os clientes, investiu nas ações pós-venda e passou a disputar mercado palmo a palmo.
De uma forma tão agressiva que encostou contra a parede seu principal concorrente, a canadense Bombardier. Pressionados pela chegada de um adversário vigoroso a um mercado que julgavam seu por direito, os canadenses recorreram à Organização Mundial do Comércio.
Segundo eles, o Brasil cobria a Embraer de subsídios. Ficou provado, no final da disputa, que os benefícios recebidos pela Bombardier eram muito superiores a qualquer vantagem concedida ao fabricante brasileiro.
Foi a primeira vitória expressiva do Brasil no âmbito da OMC. E ajudou a mudar a imagem do país junto aos organismos internacionais.
Hoje em dia, isso pode parecer um detalhe sem importância. Mas não é. As ações de Botelho se deram num momento em que, ao contrário dos dias de hoje, o Brasil estava longe de ser considerado a terra da promissão da economia mundial.
Posição que alcançou muito em função do trabalho de gente como Maurício Botelho.
Fonte: Brasil Econômico, 17/01/2012
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