“Os EUA podem elevar sua dívida, pois têm uma reputação de disciplina fiscal e nunca tiveram “default”. Por lá, o déficit fiscal passou de 3% do PIB para 13% neste ano e a dívida pública, em 41% do PIB no ano passado, deve estar em torno de 51% neste ano e passar de 85% em 2019”. Affonso Celso Pastore.
Os mercados seguem com suas atenções focadas na economia norte-americana e sua capacidade de superação da fase mais aguda da crise.
Na reunião do Fomc de agosto, quando, mais uma vez, optou-se pela manutenção do piso da taxa básica de juros entre zero e 0,25%, de novidade foi anunciada a extensão do programa de compra de títulos públicos, no total de US$ 300 bilhões mensais, até outubro próximo. Isto significa que o Fed ainda deve continuar no seu programa de injeção de liquidez na economia real e no sistema bancário, visando irrigar os canais de créditos dos bancos, tentando recapitalizá-los.
No entanto, se a retomada é uma realidade, a situação precária do mercado de trabalho segue preocupante. Segundo o Fed, “as condições nos mercados financeiros melhoraram mais, mas a economia permanece pressionada pela perda contínua de empregos, crescimento lento da renda, riqueza menor das famílias e crédito restrito.” O Fed destacou que os preços da energia e de outras commodities tiveram alta recentemente, mas que a inflação “deve permanecer subjugada por algum tempo”.
Isto coloca um ponto de dúvida nesta recuperação da economia norte-americana. Embora os indicadores de produção mostrem recuperação, o desemprego segue em alta – foi a 9,4% da PEA em junho – e deve passar dos dois dígitos em breve, devendo reduzir a intensidade desta recuperação. Isto porque esta vem sendo sustentada pelos gastos do governo e a reposição de estoques das empresas, com a utilização da capacidade instalada ainda em níveis baixos. Nos dados de produção industrial de julho, por exemplo, a capacidade instalada se encontrava ainda baixa, em torno de 68,5%.
Sem a recuperação do emprego e da renda dos consumidores norte-americanos, a força da economia real acaba prejudicada, colocando em dúvida sua sustentabilidade ao longo deste ano e do próximo. Como o motor da economia norte-americana passa pelo consumo das famílias, representando cerca de 70% da renda do País, com estas muito endividadas e perdendo emprego, a retomada acaba colocada em dúvida.
Mesmo assim, o volume de gastos públicos segue célere, devendo o déficit público passar de 13% do PIB ao fim deste ano, como podemos observar na tabela a seguir. Como o governo norte-americano não possui um histórico de calotes, a preocupação dos mercados é menor, não havendo grandes dúvidas sobre a capacidade de financiamento, ou de rolagem, do setor público em relação ao gerenciamento da dívida pública.
Esta, pelos dados mais recentes, se encontrava em torno de 41% do PIB em 2008, devendo ir a 55% neste ano, passando dos 80% no longo prazo. Como os títulos públicos do Tesouro norte-americano possuem grande liquidez e aceitação nos mercados internacionais, acaba não sendo preocupante sua taxa de rolagem. No entanto, programas de ajuste fiscal precisarão ser anunciados em breve, visando maior disciplina do setor público norte-americano.
Sobre as previsões de crescimento da economia norte-americana, acreditamos numa retomada mais firme no terceiro trimestre, com a taxa de crescimento devendo ser positiva entre 2% e 3%, já que no segundo a retração foi de 1% e no primeiro de 6,4%, como observamos no gráfico ao fim. Ao fim deste ano, acreditamos numa economia em recessão, recuando 0,5% a 1,0%, mas uma tênue recuperação é aguardada para 2010, com crescimento próximo a 1%.
Nos dados mais recentes, esta recuperação vem se dando pelo lado do aumento dos gastos do governo e da queima de estoques, com os investimentos privados em nível baixo, assim como o consumo das famílias. Estas últimas podem ser consideradas cruciais para a retomada da economia norte-americana, precisando haver a recuperação da confiança dos consumidores. Acreditamos, no entanto, que pela sua fragilidade, com endividamento alto e desemprego à espreita, esta retomada do consumo ainda deve demorar, se tornando cautelosa e lenta.
Um indício disto é que a taxa de poupança da economia norte-americana, historicamente negativa, vem se mantendo alta nos últimos trimestres, tendo passado de 5% do PIB recentemente. Isto é preocupante, pois mostra um receio pelo retorno ao consumo, lembrando um pouco o caso japonês, quando na fase mais aguda da crise, na chamada “armadilha de liquidez”, as pessoas não iam às compras, com a deflação de ativos e a estagnação da economia japonesa como uma realidade, assim como uma profunda desconfiança junto ao sistema bancário daquele país. Esperamos que os policymakers do governo Obama estejam bem atentos a isto.
TRAJETÓRIA DO PIB NORTE-AMERICANO
(trimestre/mesmo trimestre do ano anterior)
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