Mariano Rajoy, novo primeiro-ministro da Espanha, que substituiu o socialista Zapatero, mandou um recado duro para a “troika” (BCE/FMI/Comissão Europeia), rechaçando a imposição destes sobre um nível máximo “aceitável” de 4,4% – de déficit fiscal sobre o PIB – em 2012.
A troika queria um sacrifício desproporcional, logo da Espanha, que não tem os piores números de dívida consolidada. Rajoy disse, simplesmente, “não”.
Mandou oferecer uma meta de déficit em 5,8% do PIB, mais compatível com o tamanho da contração do PIB espanhol: de fato, quanto mais cai o PIB, maior é o esforço em cortes de gastos para se chegar ao mesmo percentual.
E a Espanha está numa baita recessão.
Lá o desemprego é elevadíssimo (24%, mas entre os jovens, muito maior), e o primeiro-ministro espanhol não quer arriscar a ira da população, num país em que cada região preza sua “autonomia”.
Se a trinca se curvar ao contra-argumento de Rajoy, estará estabelecido um bom precedente, desde que os credores consigam distinguir com quem estão lidando antes de flexibilizar suas condições.
A Espanha é, notoriamente, um bom pagador, no sentido daqueles devedores que têm “efetiva intenção de cumprir suas obrigações”.
Isso nem sempre é assim quando lidamos com governos de países, cujo poder soberano deve ser levado em conta numa avaliação de risco de crédito.
Por isso, quando a Espanha diz que pagará suas contas ao seu jeito, mas não como ditam os credores de fora, é preferível fechar com ela este tipo de compromisso a tentar impor algo que, mais tarde, poderá arrastá-la, mas também a seus vizinhos e ao sistema bancário europeu, à completa bancarrota.
O “fator Rajoy” é, de fato, poderoso, por recolocar a dimensão do problema nos seus devidos termos, que passa por uma admissão geral e humilde, de todos, acerca de estarem lidando com uma situação às cegas.
De fato, um ajuste geral e profundo é inevitável, mas a graduação do sacrifício e o ordenamento sequencial da ajuda oferecida a cada segmento da economia, não são questões simples, porque um excesso de aperto, ou o aperto imposto na ordem ou na intensidade equivocadas, pode fazer detonar a bomba de liquidez que a própria troika armou ao despejar trilhões de euros (e dólares, no caso dos EUA) que hoje circulam em fundos especulativos, mundo afora, prontos para fazer apostas bilionárias contra a sobrevida de governos ou do sistema bancário.
Estando em Portugal estes dias, tenho sentido no país e nas pessoas uma consciência, ainda que tardia, da gravidade e extensão do problema europeu.
Mas o debate público ainda capenga na falsa dicotomia entre “austeridade versus crescimento”. A austeridade será uma condição permanente nos tempos vindouros, e não só nos países em crise.
Mas apenas jejuar não salva o doente da morte por desenterite.
Como fazer para bombear crédito nas atividades produtivas, sobretudo nos segmentos geradores de empregos, na base da pirâmide, essa é uma questão que a simples fórmula da austeridade não resolve.
A abordagem financista é aquela que só enxerga banqueiros na fila da emergência. Porém, apenas inundar a tesouraria dos bancos com dinheiro é como abrir a jaula do leão, quando a lona do circo pega fogo e ameaça cair sobre a plateia inteira.
Fonte: Brasil Econômico, 09/03/2012
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