Ao contrário do que vem sendo dito por todos os lados, não existe crise no relacionamento do governo com a base aliada no Congresso. Crises se manifestam, como é do conhecimento geral, quando o comportamento das pessoas ou dos grupos se altera a ponto de impedir que algo funcione de maneira igual à que funcionava antes.
O que tem acontecido em Brasília nos últimos dias, ao contrário disso, não passa da manifestação de um fenômeno absolutamente corriqueiro no toma lá, dá cá que tem caracterizado a política brasileira.
Por esse ponto de vista, os afastamentos de Romero Jucá (PMDB) da liderança do governo no Senado e de Cândido Vaccarez-za (PT) da liderança na Câmara não devem ser encarados como sinais de mudança no padrão de relacionamento entre o governo e sua base de sustentação.
Afinal de contas, nenhum dos dois substitutos – o senador Eduardo Braga (PMDB) e o deputado Arlindo Chinaglia (PT) – dispõe de ferramentas capazes de alterar de forma substancial o modelo de convivência com os aliados.
Na mesma linha de raciocínio, não é correto afirmar que a recusa do Senado à recondução de Bernardo Figueiredo à presidência da Associação Nacional de Transportes Terrestres, na semana passada, tenha se dado em consequência de uma rebelião súbita entre os senadores que apoiam o governo.
Nem mesmo esse gesto de aparente rebeldia é sinal de crise. A substituição dos líderes e a reprovação a Figueiredo são movimentos absolutamente esperados no jogo de pressões que se vê em Brasília nos últimos anos. O Brasil é o único país do mundo em que os problemas do governo são causados por sua base de apoio, não pela oposição.
O que se vê neste momento já aconteceu antes e acontecerá outras vezes até o fim do atual governo. É tudo muito simples: nada irrita mais os partidos da base aliada do que anúncio no corte nos gastos públicos.
Quando o Planalto ameaça cortar, os políticos das legendas ameaçadas ficam com os nervos mais eriçados do que crista de galo de briga. E sempre encontram uma maneira de mostrar ao governo o quanto podem atrapalhar.
Na outra ponta, o que se vê é semelhante: o governo nunca entrega o que tem a oferecer aos políticos de uma única vez. Cada emenda, cada projeto, cada centavo de verba, é negociado com dificuldade e liberado a conta-gotas, para que o interessado se mantenha dócil.
O jogo é esse e só mudará no dia em que vier uma reforma política profunda. Enquanto a reforma não chega, o jogo seguirá o mesmo caminho sem que alguém possa falar em crise.
Esse problema, como já foi dito mais de uma vez neste espaço, não surgiu no governo Dilma Rousseff. Ele vem de muito antes.
A questão é que, mesmo não tendo sido causado por Dilma, cabe a ela, como presidente da República, encontrar uma forma de garantir que a chantagem permanente dos políticos aliados não atrapalhe os planos de seu governo.
É triste, mas infelizmente é assim que as coisas têm funcionado: os políticos da base aliada parecem estar pouco se lixando para os projetos estruturais e para a forma do governo conduzir a economia. Tudo o que eles querem é um pouco mais de verbas, favores e cargos. Que o governo não pode entregar de uma só vez.
Fonte: Brasil Econômico, 14/03/2012
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