Alguns números insinuam que há espaço para aprimoramentos na gestão da economia brasileira. O Brasil está em último lugar no crescimento observado e no estimado para este ano para os seis maiores países de América Latina, de acordo com a revista “The Economist”. A indústria brasileira vive uma situação mais grave, as projeções do Banco Central (BC) apontam que vai continuar perdendo participação no Produto Interno Bruto (PIB), nos próximos anos. Dois fatores, o custo do crédito e o preço do dinheiro, são os maiores responsáveis e sua origem está no imediatismo.
O setor do crédito apresenta sinais dissonantes. Por um lado é sofisticado, implantou o cadastro positivo – que melhora sua capacidade de emprestar-, é sólido, tem uma tecnologia de ponta e uma rede de abrangência nacional que está se expandindo; no ano que passou, apenas um banco abriu mais de mil novas agências. Por outro, apresenta uma oferta de financiamento instável – os volumes, as taxas e a composição variam consideravelmente, e ineficiente – e as margens praticadas são as segundas mais altas do mundo. Em janeiro, mesmo com a queda da Selic e da diminuição do desemprego, o crédito ficou escasso, mais caro e a inadimplência cresceu.
A concentração é apontada como a responsável pela situação, mas não é o caso. Há dezenas de sistemas bancários mais concentrados que operam com taxas bem mais baixas. Se eles podem, por que não pode o Brasil? Apesar de alguns abusos localizados, o que explica, após a solicitação de sua redução para “aumentar a concorrência” do setor, que a Caixa Econômica Federal cobre 150% ao ano em média pelo cheque especial e o Banco do Brasil 172%, mais ainda? Não querem? Ou não conseguem emprestar por menos? Parece ser esse o problema.
Enquanto o crédito caro e instável limita o potencial da economia, o preço do dinheiro elevado o encolhe e reduz os horizontes do país. A dinâmica é simples: as taxas elevadas atraem recursos do resto do mundo, que apreciam o real, recebem juros pagos pelo contribuinte brasileiro e vão embora ao primeiro sinal de perigo sem deixar benefícios. O que agrava mais é que o câmbio valorizado tira competitividade da indústria local e com isso o país acaba importando o que anteriormente exportava, com consequências danosas. Resumindo, perdem-se empregos e impostos sem nada em troca.
As políticas monetárias americana e europeia, o “tsunami financeiro”, agravam mais o quadro. É fato, a Selic foi reduzida para 9,75%, mas apenas para operações de um dia, a taxa longa, apesar das boas intenções, continua no mesmo patamar de 11% desde o começo do governo Dilma. Só vai cair quando aumentar a consistência intertemporal das ações do governo com uma política adequada para o setor. Existem outros países com indicadores macroeconômicos semelhantes que conseguem juros e inflação mais baixos, por que não o Brasil? Insiste-se aqui, numa solução que só agrava mais a situação.
As consequências do crédito caro e do preço do dinheiro elevado são graves e os dois problemas estão inter-relacionados. As distorções na estrutura do crédito (pouco sensível a risco, volatilidade, instabilidade e indexação) diminuem a potência da atuação do Banco Central elevando a taxa de juros neutra da economia. Uma oferta de crédito mais estável e eficiente permitiria reduzir o patamar do preço do dinheiro e expandir o volume de financiamentos sem pressionar a inflação.
Para resolver o quadro acima o governo anunciou algumas medidas (leia-se mais remendos). Essa é justamente a causa dos problemas vividos, a miopia. Falta uma estratégia rigorosa e consistente, uma política para o setor financeiro. Vive-se um quadro que guarda semelhanças com o fim do governo JK, em que a dinâmica do crescimento estava exaurindo-se. A solução proposta então foi de um novo quadro institucional para a moeda. O mesmo acabou sendo implantado só em 1964, mas sua origem é de seis anos antes. Com o novo marco, o crédito se expandiu, a inflação caiu e o crescimento aconteceu. Os bancos e o país ganharam com isso, e muito.
Com o passar dos anos, o modelo de 1964 se esgotou e a Constituição de 1988 determinou uma nova lei para o sistema financeiro nacional. Houve um debate intenso e depois de alguns anos, a necessidade de uma nova estrutura normativa foi eliminada da Carta Magna brasileira. A consequência é que o quadro institucional financeiro, que tem quase meio século, com alguns ajustes no período da hiperinflação, é inadequado para o país. Teve sua serventia para preservar a poupança pública e a moeda nacional, numa época em que solidez era fundamental. Não é mais o caso.
Os bancos no país, além de solvência e rentabilidade, necessitam também estabilidade e eficiência. Para tanto, é urgente uma mudança no paradigma financeiro, um que agregue mais valor. É hora de reinventar o crédito. Uma oferta de financiamentos estável e eficiente demanda um quadro institucional adequado a uma economia aberta e sofisticada que atenda os interesses do país. Reformar, como foi idealizado por JK, está na ordem do dia.
Algumas ações preliminares poderiam ser adotadas, como por exemplo, dar mais transparência ao crédito. Atualmente, a taxa média calculada é feita para o custo de dinheiro sobre o estoque de crédito e não sobre o volume de concessões e não inclui o financiamento do cartão, o que subestima o tamanho das dificuldades. Usa-se também a taxa mês para o custo do crédito e anual para o custo do dinheiro. Dessa forma, a percepção das distorções fica mais prejudicada ainda. Um maior conhecimento dos problemas leva a soluções melhores.
O potencial do Brasil é fato insofismável. Todavia, a condução da economia incompatível com a realidade, foca-se demais no PIB de 2012 e em ajustes pontuais e esquece-se de que o relevante é a velocidade de cruzeiro da economia nos próximos anos. Há a necessidade de uma agenda abrangente e ambiciosa, de uma gestão pública estratégica, rigorosa e consistente, que inclua, entre outras coisas, uma política financeira, que propicie lucros consistentes aos bancos e desenvolvimento ao país. O Brasil pode mais!
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2012
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