Um banco só nosso, sem a interferência dos países ricos. Essa parece ser uma ambição bem disseminada pelo mundo emergente. Falou nisso, o Brasil está dentro.
O governo Lula lançou a ideia do Banco da América do Sul, uma superinstituição de desenvolvimento aqui na região. Agora, na última reunião dos Brics, o governo Dilma apoiou a proposta de outro banco, a ser constituído com China, Índia, Rússia e África do Sul, para financiar projetos de infraestrutura.
O primeiro não saiu. O problema é que um banco, para emprestar, precisa antes captar recursos. Para fazer isso, precisa ter capital constituído, sólida base financeira e credibilidade para tomar dinheiro na praça pagando juros baratos.
Já desconfiaram, não é mesmo? Quais países sul-americanos vão comparecer com capital? Muitos governos aqui da região (Chile e Colômbia, por exemplo) têm elevadas reservas em dólares. O Brasil detém as maiores, de longe. Querendo, dava para juntar um dinheiro razoável, mas quem iria mandar no banco?
Quem colocasse mais capital, o maior acionista, é a resposta – e esse seria, supostamente, o Brasil. Mas a bronca de emergentes com o Banco Mundial, por exemplo, uma instituição dedicada a projetos de desenvolvimento, é o fato de ser controlado pelos Estados Unidos, em especial, e por ricos, em geral. Que são os maiores acionistas.
Ora, o pessoal aqui não quer colocar dinheiro num banco que seria controlado pelo governo brasileiro. Sabe como é, tudo bem com o companheiro Lula, com a presidente Dilma, mas vai que muda o governo.
Por isso, ficou combinado que a gestão do Banco da América do Sul seria compartilhada por todos – e aí mesmo é que emperrou tudo.
O quê? O Hugo Chávez tendo voz e voto num bacão? – pensaram muitos governantes, inclusive por aqui. E mais o Evo Morales e o Rafael Caldera?
E a presidente Cristina, que, por exemplo, não hesita em barrar a importação de salsichas brasileiras para defender as argentinas, que tipo de decisão tomaria na alocação dos recursos?
Já no caso dos Brics parece mais fácil. São apenas cinco países, talvez mais responsáveis, todos com reservas relativamente elevadas. No total, são cerca de US$ 4,5 trilhões. Com uma parte muito pequena disso já daria para capitalizar um bom banco. Mas só a China tem mais de US$ 3,2 trilhões – e, obviamente, seria chamada a colocar mais dinheiro. Acionista majoritária, seria a dona. Seria?
Pronto, de novo os problemas de governança.
Os chineses têm uma sólida vocação imperialista e, obviamente, não colocariam dinheiro se não pudessem mandar. Por que a Rússia, por exemplo, que vive se estranhando com a China, entraria nisso?
E por que o Brasil e a Índia, que têm seus próprios bancos de desenvolvimento, colocariam dinheiro numa instituição comandada pelo governo chinês?
E mais, Brasil e África do Sul, por exemplo, precisam de capital externo para financiar investimentos, especialmente em infraestrutura e energia. Mas, se podem tomar dinheiro barato no mercado internacional atualmente, por que precisariam constituir um banco para isso?
Para pagar com juros menores ainda? Pode ser, mas como um banco dos Brics e outro da América do Sul conseguiriam financiamento mais barato do que, digamos, o Banco Mundial?
A China precisa financiar suas empresas no exterior. Mas ela já faz isso. Exemplo: a estatal chinesa de petróleo, Sinopec, tem nada menos do que US$ 15 bilhões aplicados no pré-sal brasileiro, quase sempre em sociedade com a Petrobrás.
Também combinaram, na reunião dos Brics, que os cinco bancos nacionais de desenvolvimento vão fazer acordo para financiar empresas dos outros países em moeda local. Por exemplo: uma companhia brasileira seria financiada em rublos quando investisse na Rússia. Tudo bem, não é mesmo? Mas continua tudo bem com uma companhia chinesa tendo financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em reais?
Não tem o menor cabimento.
Começa que o BNDES não está com dinheiro sobrando. Depois, sua função é arranjar recursos para empresas brasileiras, aqui e no exterior. O que vale para os demais bancos de desenvolvimento.
Ou seja, o banco dos Brics é um objetivo tão furado quanto o da América do Sul.
E por que uma reunião de cúpula dos cinco principais emergentes envereda por essa agenda mais política e ideológica? Porque é só aí, nessas propostas vagas e distantes, que tem algum acordo.
O que mais interessa ao Brasil neste grupo? Abertura comercial para produtos agrícolas.
China, Índia e Rússia são grandes importadores. O Brasil, exportador, enfrenta obstáculos e resistências em todos os três mercados.
Na via inversa, perguntem aos industriais brasileiros de onde vem a maior competição ou ameaça predatória – como dizem alguns. A resposta: da China, com sua moeda desvalorizada e suas práticas comerciais agressivas.
Mas a presidente Dilma Rousseff se esmerou em atacar a guerra cambial dos ricos, Estados Unidos e zona do euro.
Uma agenda furada nos temas e nas propostas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 02/04/2012
O Brasil tem muitas genialidades inúteis. O Banco dos Brics ou da América Latina é do to daquela conversa que a gente joga fóra depois doe jantares! Falar de algo grandioso e irrealizável faz parte do jogo de cena para a platéia que, no final paga a conta dos banquetes!