Entusiasta da formação de líderes empresariais e sociais, Willian Ling entende que a finalidade da empresa não é fazer filantropia, mas o oposto: gerar benefícios sociais através da gestão responsável do valor econômico. E, na medida em que cada pessoa adquire tempo, recursos, ideias e capacidade para mobilizar parceiros, deve assumir a responsabilidade de também contribuir como indivíduo na sociedade.
Para alguns empresários, e aí estamos falando daquela categoria formada por verdadeiros líderes, as coisas são realmente muito naturais. Visualizar oportunidades, inspirar pessoas, cultivar a sustentabilidade e a reciprocidade são atos intuitivos, espontâneos, quase difíceis para eles conceituarem quando colocados diante desse desafio. São esses valores e habilidades, na maioria das vezes aprendidos na escola da vida e levados para o mundo dos negócios, as molas propulsoras de iniciativas pessoais e empresariais capazes de determinar os rumos de uma empresa, de uma instituição ou da própria sociedade.
Essa é uma responsabilidade que o empresário William Ling, 54 anos, parece entender muito bem. Casado e com dois filhos, ele faz parte da segunda geração da família Ling, que saiu da China na década de 1950 e escolheu o Brasil para criar seus filhos e construir seus negócios. Hoje eles são os controladores e fazem parte do Conselho de Administração do Grupo Petropar, além de liderarem uma série de iniciativas voltadas para a formação de pessoas e apoio a atividades sociais e culturais. “Se temos condições, recursos e tempo, por que não fazer algo para mudar a sociedade na qual estamos inseridos?”, questiona.
Engajado desde jovem nas causas que envolvem o empreendedorismo e a liderança, William Ling foi o fundador e primeiro presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE). Também ajudou a criar o capítulo de Porto Alegre da Young Presidents’ Organization (YPO), entidade que chegou a presidir no País. Participa ainda do Conselho de Governança do Instituto Millenium, entidade sem fins lucrativos que promove valores fundamentais para a prosperidade e o desenvolvimento humano da sociedade. “O nosso papel só estará completo quando as novas gerações souberem tocar sozinhas todas essas ações que criamos. Isso é sustentabilidade”, comenta, destacando que hoje acompanha um pouco mais de longe a maioria dessas iniciativas.
Atualmente é o Instituto Ling – focado na formação de jovens – que tem ocupado mais o seu tempo, bem como o projeto pessoal de construir um Centro Cultural na capital gaúcha, onde mora. A ideia é sediar eventos culturais, pequenos recitais, saraus literários, cursos de gastronomia e sessões de autógrafos.
O questionamento de “por que não fazer?” está realmente presente na grande maioria das ações do empresário, que nessa entrevista à Performance Líder oferece novos pontos de vista sobre temas como responsabilidade social, liderança e educação.
Perfomance Líder: Na grande maioria das ações nas quais o senhor está envolvido, a formação de lideranças aparece como um eixo de destaque. Qual o papel dos líderes para a evolução de um país?
William Ling: Houve um fato marcante que aconteceu quando eu tinha uns 22 anos e que me fez pensar justamente no papel dos líderes em uma sociedade. Eu estava na Europa, conversando com um alemão que havia morado no Brasil e com um chinês. Nos questionávamos sobre os motivos de o Brasil não avançar e sobre quem seriam os culpados disso. Lembro que um deles responsabilizou o povo brasileiro, que na sua visão seria pouco proativo. E aquilo me fez pensar: será que é isso mesmo? Para mim, parecia mais lógico achar que o problema estava nas nossas lideranças. Fiquei com esse questionamento na cabeça e as respostas que tirei disso me mostraram que quem teve acesso à educação e acumulou recursos é que tem a responsabilidade de enxergar as coisas um pouco mais adiante. Um tempo depois surgiu a ideia de criar o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), que é uma instituição muito focada na formação de lideranças. Mandei uma carta-convite para pessoas da minha geração que não tiveram oportunidade de exercer atividade política em função do regime militar, mas que eu sabia que poderiam fazer algo de efetivo para ajudar. O IEE surgiu dessa inquietação.
PL: O senhor acredita que a liderança é uma característica natural ou podemos criar um líder?
Ling: As lideranças se formam. Acredito que a educação bem dirigida aumente enormemente as chances de alguns indivíduos se tornarem bons líderes. O líder é o melhor entre os iguais. São aquelas pessoas que reúnem um conjunto de valores e atitudes que provocam inspiração e admiração. Sempre haverá líderes. A questão é o quão bons e eficazes eles serão e se usarão as suas qualidades para atingir propósitos nobres.
PL: Hoje em dia existe uma grande cobrança para que as empresas sejam mais sustentáveis e socialmente responsáveis. Qual é, na sua opinião, a função de um empresário na sociedade?
Ling: A razão de ser do empresário é promover a ação empresarial de forma ética e responsável. É garantir que a empresa que ele fundou ou dirige possa desenvolver produtos e oferecer serviços a preços competitivos e ainda gerar lucro para os acionistas. Esse é o papel social do empresário. Não há outros. Fazendo isso direito, ele está dando a maiorcontribuição possível para a sociedade e agindo com reciprocidade. A sociedade oferece recursos e condições para as pessoas com espírito empreendedor desenvolverem o seu trabalho, e, se elas fizerem isso de forma responsável, gerarão riqueza, empregos e benefícios para todos.
PL: Com o Instituto Ling, vemos uma ação concreta no estímulo à formação de pessoas, que, aliás, têm tudo para ser um dos maiores obstáculos para o crescimento das empresas e do próprio País nos próximos anos. O que norteia essa iniciativa?
Ling: Cada pessoa física ou jurídica na sociedade cumpre um papel. A Petropar, por exemplo, é uma indústria, e um dos nossos negócios é fazer embalagens plásticas e servir os clientes com produtos de qualidade. A finalidade da empresa não é fazer filantropia, é o oposto. É gerar benefícios para a sociedade através da gestão do valor econômico. Mas, na medida em que temos tempo, recursos, ideias e capacidade de mobilizar parceiros, por que não fazer? Com o Instituto Ling, entramos em outra seara, que é a da responsabilidade de cada um de nós como indivíduos. Além disso, esse trabalho é norteado por valores que meus pais trouxeram da China. O primeiro deles é a reciprocidade. Pelo Confucionismo, temos que retribuir o que recebemos, não importa de quem e para quem dar. É preciso manter esse processo contínuo. Meus pais chegaram aqui sem muitos recursos, foram bem recebidos em Santa Rosa e em Porto Alegre, trabalharam e se inseriram na sociedade gaúcha. Sempre foi uma vontade grande retribuir isso de alguma forma ao Brasil. A outra questão é a importância da educação, que é algo muito forte na cultura oriental. Juntando reciprocidade e educação, criamos o Instituto Ling.»
PL: De que forma as ações realizadas pelo Instituto Ling podem ajudar na construção de um Brasil melhor?
Ling: O foco do Instituto, que foi fundado em 1995, é investir em educação para apoiar a formação de jovens brasileiros, através de bolsas de estudo de cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado em escolas de excelência no exterior. A primeira área de atuação foi a de negócios, com cursos de MBA. Cerca de dez anos depois disso, em parceria com a Gouvêa Vieira Advogados, passamos a oferecer bolsas de advocacia. Começamos com três por ano e em 2011 foram oito. Nesses dois casos, trabalhamos a questão da reciprocidade. As pessoas que fazem oMBA em escolas como as que são nossas parceiras saem de lá e passam a ganhar muito bem. Incentivamos para que, quando elas estiverem estabilizadas, ajudem alguém que está na situação que elas estavam alguns anos antes. É um compromisso moral apenas. Mais recentemente, passamos a disponibilizar bolsas para jovens jornalistas escolhidos em algumas das principais redações do País. Buscamos parceiros e estamos indo para a terceira edição em 2012, com recursos previstos de US$ 340 mil. Fizemos isso porque uma das coisas que achamos importantes no Brasil é a mudança de mentalidade, e o jornalista cumpre um papel crítico nisso. Se ele tem uma boa percepção do que acontece no mundo e do que pode ser mudado, e se souber transmitir com independência valores como o da responsabilidade individual, será peça fundamental para estimular essa modificação de postura da sociedade. Hoje vemos que o brasileiro tem uma enorme tolerância com tudo que acontece no País, o que se reflete na atitude de que “isso não é comigo”. Na medida em que conseguirmos alterar essas coisas, teremos a chance de provocar uma mudança mais profunda.
PL: O Brasil vive um momento de crescimento. Podemos esperar uma participação mais ampla das lideranças nessas iniciativas voltadas para a sociedade?
Ling: O Brasil vem experimentando um crescimento forte, aquém ainda das nossas possibilidades, mas muita gente está fazendo grandes negócios, abrindo capital e ganhando dinheiro. Na medidaem que as pessoas enriquecem de forma saudável e ética, acabam parando e pensando: e agora, como valorizar esse meu patrimônio e ainda deixar um legado? Esse é um questionamento que os indivíduos acabam fazendo em algum momento da sua vida e que pode levar a ações efetivas.
PL: O sistema educacional brasileiro estimula a formação de pessoas capazes de mudar o rumo de uma empresa ou até mesmo de um país?
Ling: O aparato de ensino no Brasil não é para formar indivíduos para trabalhar e, dessa forma, não produz resultados efetivos em termos de gente qualificada. A origem do problema está no falso entendimento de que a educação é dever do Estado e direito do cidadão. Ou seja, a premissa que sustenta todo o modelo educacional brasileiro está errada. O dever primário da educação é dos pais. Depois disso vem a segunda fase, que é a da escola. E então vem o desafio de tornarmos o processo educacional brasileiro mais produtivo. Euacredito que o modelo ideal seja aquele no qual as escolas possam ter a liberdade paraoferecer os currículos que elas quiserem, e os pais, a de escolher onde colocar seus filhos para estudar.
PL: O que move o senhor hoje a continuar envolvido com tantas iniciativas?
Ling: É algo que vem de dentro, de você enxergar uma situação e ver que tem condições de fazer algo para melhorar. Sempre que me perguntam como surgem as ideias ou como montar um negócio, eu costumo fazer a analogia com os grandes nomes da nossa cultura. O Dicionário da Língua Portuguesa está disponível para todos, mas são poucos os Carlos Drummond de Andrade ou ClariceLispector que juntam as palavras de forma a criar uma obra e levar tanto prazer às pessoas que a lerem. O mesmo acontece com os sons musicais e com as cores. No mundo dos negócios é a mesma coisa. Um empreendedor vai andar pela rua e vai ver e colher sempre oportunidades.
Fonte: Performance Líder
Gente que faz diferença! Parabéns, William Ling!