Este é o terceiro de cinco artigos sobre meu livro com Armando Castelar Pinheiro (“Além da euforia”, Editora Campus). Depois de um primeiro artigo geral e de outro sobre a produtividade, hoje irei tratar da nossa baixa poupança doméstica. Na discussão sobre o papel do Estado, que ressurgiu com força no Brasil na crise de 2008/2009, os defensores de uma maior participação do governo têm utilizado o argumento que, em circunstâncias em que o setor privado hesita em investir, o investimento público – ou financiado com recursos públicos – teria um papel fundamental para o aumento do investimento.
Há, porém, uma questão que não tem sido levada devidamente em conta. O problema que existe para o aumento do investimento não é se ele será feito pelo setor público ou pelo setor privado e sim como se ganha espaço para isso na composição da demanda agregada. Não adianta pretender que a Petrobras gaste mais no pré-sal, que a União dote o país de aeroportos decentes para a Copa de 2014 ou que os Estados pavimentem mais estradas, se não forem tomadas medidas para conter o ritmo de expansão do consumo, caso a economia opere perto da plena carga.
É interessante olhar as duas tabelas deste artigo. Uma delas mostra a igualdade entre a Formação Bruta de Capital (FBK) e a poupança e a decomposição desta entre a poupança doméstica e a externa, sendo que esta última é a soma da renda líquida enviada ao exterior (RLEE) com o déficit de transações das contas de bens e serviços com o exterior. A outra tabela apresenta as taxas de variação reais médias dos componentes da demanda agregada em períodos específicos: 1) os primeiros anos do Plano Real; 2) os anos de ajuste do governo FHC e, já no governo Lula, da ortodoxia de Antonio Palocci; e 3) o pós-2004.
As duas tabelas conjuntamente contam uma história em três capítulos: 1) deterioração da poupança doméstica nos primeiros anos do Plano Real, com piora da situação externa; 2) ajuste de 1999 a 2004, revertendo tais processos com contenção do consumo, aumento da poupança doméstica e notável mudança do resultado das transações correntes com o exterior; e 3) nova inflexão depois de 2004, com maior consumo, redução da poupança doméstica e piora das contas externas. O “novo modelo de desenvolvimento” que sucedeu ao fim da era Palocci nada mais foi do que o velho modelo de crescer com poupança externa.
A discussão em torno do papel do Estado ignora tais questões. Pode até fazer sentido conduzir a Petrobras em ritmo de “pau na máquina” ou “turbinar” as instituições financeiras oficiais para alavancar seus empréstimos. O que não faz sentido é fazer isso, ao mesmo tempo em que o crédito continua crescendo bastante e se adotam regras generosas de aumento do salário mínimo – mecanismos que reforçam o crescimento do consumo – e depois reclamar que a conta corrente está com um déficit muito alto! É preciso entender que um dos problemas críticos a serem enfrentados pela economia brasileira para poder crescer mais chama-se: “escassez de poupança”.
Até agora, depois de 2004, foi possível implementar uma política que “driblou” qualquer tentativa de fazer escolhas, uma vez que tanto o consumo como o investimento aumentaram a taxas vigorosas, ao mesmo tempo em que o país exibia indicadores externos confortáveis e inflação baixa. Isso ocorreu, porém, partindo de uma situação muito peculiar, quando no começo dessa história de sucesso havia grande capacidade ociosa e superávit em conta corrente, com muita “gordura” para queimar. Entretanto, se o Brasil continuar exibindo um descompasso entre o crescimento da absorção doméstica e do PIB e tendo, como corolário disso, um aumento do “quantum” de importações significativamente superior ao das exportações, haja pré-sal para equacionar esse desequilíbrio na segunda metade da década!
O livro será lançado hoje, 11 de julho, em São Paulo, na Livraria Cultura, Av. Paulista 2073 (Conjunto Nacional).
Fonte: Valor Econômico
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