Na próxima segunda-feira, 20 de agosto, a FecomercioSP realizará o evento “Competitividade: o calcanhar de Aquiles do Brasil: fragilidade e superação”. Para entender os principais objetivos do encontro e discutir a questão da baixa competitividade da economia brasileira, o Instituto Millenium entrevistou o presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da FecomercioSP e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), José Pastore.
Para Pastore, os problemas que o país enfrenta “estão na área da infraestrutura, da burocracia, inclusive a burocracia trabalhista, e da educação”.
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Instituto Millenium: O que motivou a realização do evento “Competitividade: o calcanhar de Aquiles do Brasil: fragilidade e superação”, pela Fecomercio?
José Pastore: O principal problema que está segurando o Brasil de uma arrancada mais rápida do crescimento é a baixa produtividade da economia, em especial do trabalho. Foi o que levou a Fecomercio a fazer um seminário para esclarecer a natureza desse problema e apresentar sugestões.
Imil: Na opinião do senhor, o que mais afeta a competitividade do Brasil?
Pastore: São vários fatores, mas se eu tivesse que elencar os três principais problemas diria que estão na área da infraestrutura, da burocracia, inclusive a burocracia trabalhista, e da educação.
Imil: No primeiro semestre de 2012, as empresas estatais da área de infraestrutura e prestação de serviços investiram menos de 20% do total previsto para o ano. O senhor concorda que a burocracia prejudica os investimentos e a competitividade das empresas públicas ?
Pastore: Essa inibição dos investimentos está muito ligada aos três fatores citados na resposta anterior. Muitas vezes há um problema de logística muito sério que impede uma empresa ou o governo de fazer um investimento de vulto. Outras vezes, há uma burocracia intransponível, especificamente no campo trabalhista, e falta de mão de obra qualificada. Então esses três fatores estão sempre presentes quer no crescimento lento, quer no estancamento de investimentos para uma arrancada maior de crescimento econômico.
Imil: Qual é a importância do fator educacional para a baixa competitividade da economia brasileira?
Pastore: Isso é crítico. Porque as tecnologias modernas e os novos métodos de produção exigem cada vez mais a participação do conhecimento abstrato. E isso depende da educação. Há um trabalho muito interessante feito pelo ex-presidente do Federal Reserve, o Alan Greenspan, que diz o seguinte: o (Produto Interno Bruto) PIB tem um valor econômico, mas também tem um peso físico. O peso físico é dado por uma mesa, um avião ou um automóvel que é produzido. Ele diz que nos últimos 50 anos, o PIB americano aumentou cinco vezes e, no entanto, o peso físico dele se manteve o mesmo. Ou seja, em termos relativos o peso físico do PIB está diminuindo. Isso significa que há uma participação crescente de ideias. Quando comparamos uma máquina de calcular de 50 anos atrás e uma máquina de hoje, que é baseada em um chip muito leve, vamos verificar que a antiga pesava uma tonelada e a de hoje pesa apenas um ou dois gramas. Isso porque houve uma grande participação da ciência e da tecnologia, que depende da educação.
Educação não é apenas para fazer ciência e tecnologia, educação é, sobretudo, para pensar. O sistema de produção moderno requer que as pessoas saibam pensar. E aqui está uma grande defasagem entre as necessidades da economia moderna e aquilo que as escolas estão entregando de um modo geral. Há um divórcio entre aquilo que nós precisamos e aquilo que as escolas entregam. Porque na melhor das hipóteses elas conseguem fazer os alunos passarem nos exames, mas não ensinam a pensar.
Imil: O que o senhor sugere para reverter esse quadro, isto é, o que deve ser feito para melhorar a educação brasileira?
Pastore: O problema da má qualidade de ensino requer uma programação que não é uma programação para um mandato como os políticos pensam fazer, principalmente na época de eleição. É uma programação para uma geração inteira. É uma programação de vida. O Brasil está precisando de uma mobilização mais forte que envolva profundamente a sociedade, o setor privado e o governo para montar um programa como outros países montaram. O exemplo mais eloquente é o da Coreia do Sul, que ao montar um programa eficiente nesse campo conseguiu fazer uma verdadeira revolução na ciência, na tecnologia, na cultura e nas artes daquele país.
Imil: O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) revelou que o analfabetismo funcional atinge 38% dos estudantes universitários. Como o senhor analisa esse número?
Pastore: Tenho visto muitos recrutadores que quando vão selecionar um candidato de nível universitário, um economista, um advogado ou um engenheiro são levados a fazer um prova de ditado para os candidatos. No ano passado, a OAB teve um índice de reprovação de 90% e a grande maioria da reprovação foi devido a deficiências na linguagem. O manejo da língua é fundamental para pensar, nós pensamos com essa ferramenta. O pensamento é o produto do exercício da linguagem. A deficiência no ensino fundamental que está deixando muitos dos nossos estudantes sem a capacitação mínima no campo da linguagem e da aritmética explica porque chegamos nesse estágio, em que 38% dos estudantes universitários não têm uma boa capacidade de leitura.
Imil: A realização de uma reforma das leis trabalhistas é necessária para melhorar a competitividade e também as condições de trabalho?
Pastore: Ela é muito necessária principalmente para permitir que os contratos de trabalho sejam feitos com mais leveza, com mais agilidade e com mais versatilidade. Porque a economia moderna é uma economia crescentemente competitiva e nas condições de competição tudo muda a cada dia. É claro que se devem respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores, das empresas e de todos os agentes econômicos. O que não podemos mais assistir no Brasil é uma situação tão conflitiva entre empregados e empregadores que gera mais de 2 milhões de ações todos os anos na justiça do trabalho. Isso é improdutivo, ineficiente, denota desconfiança, denota confrontação. Esse clima tem que mudar. Para mudar é preciso que a gente simplifique a legislação, que se expanda o espaço para a negociação e que aquilo que seja negociado seja realmente respeitado pelo Ministério Público, pela justiça e pela fiscalização.
Imil: O Brasil está no caminho certo para superar o problema da baixa competitividade? O senhor está otimista quanto ao futuro da economia nacional?
Pastore: Sou otimista quanto ao futuro do Brasil porque nós temos condições que constituem vantagens comparativas. Mas o otimismo depende da concretização de mudanças profundas ao longo dos próximos dez anos, mudanças na infraestrutura, especialmente da logística, na burocracia, especialmente a trabalhista, e no capital humano, principalmente no ensino fundamental e médio.
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