O governo estuda um novo pacote de medidas com base em critério racial, que prevê, entre outras ações, a reserva de 30% das vagas para negros nos órgãos do serviço público federal, englobando cargos preenchidos por concurso público e cargos comissionados, nas áreas de educação, trabalho, cultura e comunicação. As medidas, que devem ser anunciadas no próximo dia 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra, fazem parte do Programa Nacional de Ações Afirmativas, a ser lançado ainda este ano. Na área cultural, a proposta prevê editais exclusivos e incentivos para produtores culturais negros. Na educação, o projeto inclui o monitoramento da situação profissional de negros cotistas, auxílio financeiro durante a graduação e reserva de bolsas para negros no programa Ciências sem Fronteira, que financia pesquisadores brasileiros no exterior. O Estatuto da Igualdade Racial, aprovado pelo Congresso em 2010, prevê a execução de ações afirmativas em benefício dos negros.
Para o advogado e especialista do Instituto Millenium, Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr a questão das ações afirmativas para supostamente reduzir desigualdades sociais está se transformando numa política de Estado. “O Estado brasileiro parece, a partir das cotas universitárias, bem como do Estatuto da Igualdade Racial, estar buscando cada vez mais atender a movimentos sociais, estabelecendo certos privilégios em razão de supostas desigualdades históricas”, explica.
No setor produtivo, além da reserva de vagas no serviço público, o governo propõe compensações para empresas privadas que estabelecerem metas de preenchimento de vagas por negros. Empresas denunciadas por discriminação racial poderão ser vetadas em licitações. Ventura alerta para os riscos deste tipo de medida: “Como vai se apurar isso? Suponhamos que uma empresa concorrente, no intuito de prejudicar uma das empresas participantes do certame público, faça uma denúncia usando de má fé. Como o governo vai equalizar todas essas questões, que são absolutamente problemáticas.”
Há cerca de dois meses, o Congresso aprovou a lei que ampliou as cotas para universidades e institutos federais. O decreto, publicado na segunda-feira, 15 de outubro, estabelece reserva de vagas para alunos de escolas públicas, com percentuais para estudantes de baixa renda, pretos, pardos e índios e entrará em vigor no próximo vestibular. Na avaliação de Sebastião Ventura tais medidas ferem a Constituição Federal: “O que chama atenção é que no Brasil, pobreza não tem cor. A pobreza atinge brancos, pretos e pardos. Mas o governo enxerga a pobreza sob uma ótica enviesada, procurando atender os interesses da população. Isso fere o artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal, que estabelece que as ações têm que visar o bem de todos. Não podemos estabelecer diferenças de cor, raça, sexo, ou qualquer outra forma de discriminação.”
O especialista explica que na ânsia de resolver um problema social o governo começa a enfraquecer determinadas garantias constitucionais, que visam justamente, construir uma sociedade que procure atender o interesse de todos. “Não podemos querer resolver uma questão racial com mais racismo. E parece que é justamente isso que o governo federal pretende implementar. A constituição fala que todos são iguais perante a lei, mas parece que uns são mais iguais que os outros.”
Ventura também questiona o percentual de 30% proposto no projeto em análise na Casa Civil: “Gostaria de saber qual é a fundamentação científica desse percentual. O governo estabelece uma lei que de certa forma é restritiva, porque esse percentual de 30% ficará reservado a apenas alguns brasileiros, mas não informa qual foi o critério científico adotado”, critica.
Na análise de Ventura, o governo optou por implementar uma política de cotas porque a política governamental, no que tange ao Ensino Básico, não está funcionando. “Se funcionasse não precisaria de cotas. Faz dez anos que temos um governo de esquerda no Brasil. Se nesses dez anos de governo tivesse havido preocupação com o Ensino Básico, esta geração não precisaria de cotas. O governo teve uma década para resolver e não resolveu”, conclui.
É paradoxal uma lei que reza que todos são iguais com tanta má distribuição econômica. Se um país tenta reparar seja nas raízes como na copa, o importante é amenizar, com o intuito muito longínquo de sanar o disparate no futuro. Não há possibilidade de arrumar um dano imenso em apenas dez anos. Ainda há o fato de que quando ocorrem práticas do gênero há sofismo no encalço.