Afinal, o que terá passado na cabeça dos eleitores do Comitê Olímpico Internacional para que o Rio de Janeiro acabasse sede dos Jogos de 2016? Como conseguiu superar Chicago? Como é que “o cara” daqui passou a perna no “the guy” de lá? Até hoje tem gente que não entendeu a opção por uma cidade que, dois dias após a festa da indicação, já estava incendiando trens (e note-se: o vandalismo ocorrido na Baixada Fluminense não foi obra de bandidos aquartelados nos morros). Como entender, por fim, que centenas de milhares de visitantes sejam levados a um meio urbano onde os próprios brasileiros evitam ir porque lá se instalou um Estado paralelo, criminoso, comandado pelo tráfico de drogas?
A vitória carioca, no entanto, foi absolutamente lógica. O placar das sucessivas votações de Copenhagen mostra que os eleitores de cada cidade eliminada numa votação fluíam para o Rio de Janeiro na rodada seguinte. Examinemos caso a caso. A capital nipônica já fora sede dos Jogos de 1964 e a candidatura aos de 2016, sem apoio da população, decorria de uma decisão pessoal do governador de Tóquio. A cidade, por isso, era carta fora do baralho. Quem olha o resultado de cada apuração verifica que Madrid empacou. Fez 28 votos na primeira, 29 na segunda e 32 na terceira, ao passo que o Rio de Janeiro fez 26 na primeira, 46 na segunda e 66 na terceira. Apesar do esforço de Zapatero e do rei, Madrid era outra carta fora do baralho por uma razão muito simples: os jogos de 2012 serão em Londres e outras capitais européias têm planos para concorrer aos jogos de 2020. Se já era difícil escolher consecutivamente duas sedes européias, a repetição de continente por três vezes seria impossível.
“Tudo bem, esquece Tóquio e Madrid. Mas e Chicago? Por que Chicago, que nos parecia a candidata mais forte, se estatelou na primeira rodada?”, perguntará o leitor. Pois é. Chicago, dentre as quatro, era a carta mais fora do jogo. Pesavam contra ela as animosidades africanas, latino-americanas e islâmicas. E pesava, principalmente, o fato de ser uma candidatura municipal. Se realizados em Chicago, os preparativos estariam sob total responsabilidade do poder local e não do Estado de Illinois, ou dos Estados Unidos. O COI não gosta de lidar com simples prefeitos.
Entendeu, leitor? Os Estados Unidos são uma federação para valer e não este arremedo que suportamos aqui. Lá, seria impensável uma cidade promover-se com recursos subtraídos de outros municípios ou de outros Estados. Tais absurdos, porém, compõem a cena cotidiana do murcho e flácido federalismo brasileiro. Num restaurante, jamais aceitaríamos pagar a conta do regabofe servido à mesa vizinha. Mas soltamos foguetes e nos rejubilamos com a escolha do Rio, desatentos para o fato de que absolutamente todos os benefícios dos Jogos (a partir do início das respectivas obras) serão daquela cidade, ao passo que a nota da despesa será enviada para o resto do país.
Chicago era carta fora do baralho porque os Estados Unidos são uma Federação. Ponto. E a vitória carioca respondeu à lógica de um país de tolos, capazes de conviver – como está acontecendo no Rio Grande do Sul – com o fato de até mesmo uma rodoviazinha de 22 km na Região Metropolitana ser decidida pela União, lançada numa cidade-satélite cujo prefeito é petista, em festa com a presença do presidente e de sua candidata. Será preciso dizer mais para mostrar o quanto é sodomizado o federalismo brasileiro?
No Comment! Be the first one.