Implementação da legislação, que tem semana decisiva, pode cercear direitos de expressão
BUENOS AIRES — A disputa entre o governo da presidente argentina, Cristina Kirchner, e os meios de comunicação privados do país sobre a plena aplicação da Lei de Serviços Audiovisuais, a chamada Lei dos Meios, aprovada em 2009 pelo Congresso, alcançará seu auge na próxima semana. E o temor entre jornalistas, intelectuais, sindicalistas e empresários cresce. Por decisão da Corte Suprema de Justiça, no dia 7 de dezembro, o já famoso 7-D, vencerá uma liminar obtida pelo grupo Clarín, que suspendeu a implementação de dois artigos (45 e 161) da lei, considerados inconstitucionais pelo grupo por violar direitos adquiridos. Após esse dia, a Casa Rosada prometeu iniciar um processo de “adequação compulsória” de todos os grupos que estejam fora da lei e isso poderia significar a exigência de devolução ao Estado de dezenas de licenças de rádio e TV.
Paralelamente, a Justiça, sob forte pressão do Executivo, continua sem determinar se os artigos denunciados pelo Clarín são ou não constitucionais. O presidente da Associação Federal de Serviços Audiovisuais (AFCSA), o deputado Martin Sabatella, confirmou que as licenças que o Estado pretende recuperar serão submetidas a novos leilões, junto com os bens usados para operá-las. Pergunta-se, nesse momento, como será esse processo. Que licenças serão afetadas? Haverá intervenção estatal nos meios de comunicação até que as licenças sejam entregues a novos donos? O que acontecerá com programas e jornalistas que já foram, publicamente, atacados pelo governo?
— O que sabemos é que a presidente pensa que deve controlar a informação para manter o poder — afirmou Héctor D’Amico, secretário-geral de redação do jornal “La Nación”.
Mesmo sem saber como a Casa Rosada vai agir a partir do 7-D, o jornalista diz ter certeza de que a meta não é a democratização da mídia.
— Por que vamos acreditar nessa lei, se o governo, na prática, faz tudo ao contrário do que diz? Seria como acreditar que O. J. Simpson é capaz de propor um programa de proteção para as mulheres — ironizou D’Amico.
Quando apresentou o projeto, a Casa Rosada prometeu “pluralidade de vozes na mídia”, permitindo que comunidades indígenas tenham acesso a licenças de rádio e TV. Com o objetivo de mostrar que o interesse do governo não é silenciar vozes críticas, como denunciaram vários setores da sociedade, no 7-D será lançado o canal de TV Wallkintun de Bariloche, apresentado como o primeiro canal indígena do país. Para representantes de comunidades indígenas, a estratégia é clara: o canal será usado para defender uma lei que organizações não governamentais locais e internacionais consideram um risco à liberdade de expressão.
— Estamos sendo usados — denuncia Daniel Segovia, do Conselho Nacional Indígena.
Para ele, a lei servirá para que “pessoas vinculadas ao governo, que nos usarão como fachada, controlem novas licenças”.
— No caso do canal de Bariloche, não sabemos sequer qual é a comunidade que obteve a licença — disse a deputada da província de Buenos Aires Rita Liempe, antiga defensora dos direitos dos povos indígenas.
Rita lembrou que, na Argentina, não é respeitada a lei sobre direitos indígenas, portanto, não se pode acreditar “nas promessas de uma lei que busca apenas controlar a informação”.
SIP envia missão a buenos aires
Nos próximos dias, chega a Buenos Aires missão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) que, segundo seu chefe, o uruguaio Claudio Paolillo, tem como objetivo “avaliar o estado da liberdade de expressão” no país:
— Um numeroso grupo de sócios da SIP está muito preocupado pelo que pode ocorrer com a liberdade de expressão depois de 7 de dezembro.
Na semana passada, o presidente da SIP, Jaime Mantilla, enviou carta ao presidente da Corte Suprema argentina, Ricardo Lorenzetti, na qual afirmou esperar que “qualquer tentativa de avanço de fato sobre os meios argentinos encontre um freio adequado e oportuno nas instituições democráticas, convocadas a ser o contrapeso de qualquer desvio autoritário”.
Preocupação entre intelectuais
A preocupação também chegou a intelectuais como o escritor Marcos Aguinis, que, enquanto prepara sua nova novela, acompanha dia a dia, como muitos argentinos, uma guerra considerada crucial pela Casa Rosada.
— O governo quer uma população subordinada a um relato oficial que não é real e para isso precisa dominar a mídia — opinou Aguinis, um reconhecido escritor, que, há anos, não é convidado para participar de programas em rádios e TVs alinhadas com o governo.
A Lei dos Meios foi aprovada na Câmara por 146 votos a favor e apenas três contra, com a ausência de vários deputados da oposição, que se recusaram a participar da votação. Com este resultado, o governo e o setor da sociedade que defende sua plena aplicação argumentam que se trata de uma lei democrática e que ninguém pode deixar de cumpri-la. Para a Casa Rosada e seus aliados, o grupo Clarín “atenta contra a democracia” ao não querer aplicar uma lei nacional.
O veterano economista Aldo Ferrer considera “necessário evitar a concentração de poder em qualquer setor da economia, inclusive no setor dos meios de comunicação”:
— Um regime democrático e de concorrência no setor de meios é tão importante como em qualquer outro da economia — disse.
Para ele, o conflito com o grupo Clarín está sendo resolvido na Justiça, como deve ser.
Cristina Kirchner estará no Brasil em dia mais tenso
No próximo dia 7 de dezembro, quando vence a liminar obtida pelo grupo Clarín, Cristina Kirchner estará em Brasília, participando de uma nova Cúpula de Presidentes do Mercosul. Mais uma vez, a presidente argentina estará fora da Casa Rosada, em um momento de forte tensão política e social. Durante os últimos panelaços realizados contra seu governo, Cristina viajou pelo interior do país.
Segundo anteciparam meios de comunicação locais, movimentos sociais vinculados ao kirchnerismo, entre eles La Cámpora, fundado e liderado pelo filho da presidente, Máximo Kirchner, estão organizando marchas e festivais musicais a favor do governo para o 7-D. Nos últimos anos, o La Cámpora comandou campanha sistemática contra o grupo Clarín.
Em seu site, o movimento tem uma agenda de eventos que prevê distribuição de panfletos sobre o 7-D em cidades do interior da Argentina, como Virasoro, San Cosme e Mercedes, entre outras. Informa também sobre cursos para novos militantes e estreias do filme “Néstor Kirchner” em algumas províncias.
Fonte: O Globo, 1/12/12
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