No início dos anos 50, quando ali entrei pela primeira vez, de calças curtas, guarda-pó branco e gravata azul, já era um edifício velho. E feio. Acolhia alunos da 1ª à 5ª séries do primário. As classes tinham espessos tampos nos quais se acumulavam gravações rupestres deixadas por antigos alunos. Chamava-se G. E. Professor Chaves aquela pequena escola pública. Laboratório? Não se sabia bem o que era isso. Biblioteca a gente conhecia, mas não me lembro de algo assim por lá.
Da minha turma, entre outros cuja trajetória perdi de vista, saíram profissionais do Direito, da Engenharia, da Medicina, das Finanças, das Artes, e até este modesto arquiteto que gosta de escrever. No ambiente da humilde sala de aula, durante quatro anos, reinou a inesquecível professora Elvira Arlas Pereira. Reinou com a autoridade imposta pelo amor ao que fazia. Com seus cabelos brancos, irretocavelmente arrumados em forma de coque sobre a cabeça, tinha jeito de avó, mas não estava lá para ser tia de ninguém. Era a professora. Ela ensinava, nós aprendíamos. Um processo antigo, que Paulo Freire, Moacir Gadotti, Demerval Saviani e outros profetas da pedagogia marxista nacional viraram pelo avesso com os deploráveis resultados que aí estão.
Periodicamente, um sisudo inspetor escolar visitava a classe para fazer perguntas e verificar se aprendíamos. Era o “Ideb” da época. Não existia Cpers nem essa papagaiada de trabalhador em educação. Ensinava-se mais, aprendia-se mais, estudava-se mais. E nosso Estado, nos anos seguintes, se tornaria conhecido como o que proporcionava a melhor educação pública do país.
Lembrei-me da minha infância na querida Santana do Livramento ao acompanhar, semana passada, matérias de ZH e entrevistas com lideranças do magistério. Pais que me leem: a educação caiu num despenhadeiro e o futuro será tetraplégico! Duvido que vocês enviem seus filhos à escola para que ela os submeta à tal “educação transformadora”. Cuidado! Professores que rejeitam qualquer controle sobre seu trabalho arvoram-se no direito de transformar nossos filhos? Não confie, leitor, numa educação que da alfabetização ao doutorado proclama tão autoritária pretensão. Além dos professores a serviço de partidos, quem aí quer isso? E os que não querem por que concordam?
Essa pedagogia falsamente dialética, que se apropriou da educação para construir uma hegemonia ideológica, com fins políticos, converteu a escola em território livre, onde não se admite autoridade externa. Os porta-vozes dos professores denunciam como brutalidade qualquer tentativa de estabelecer parâmetros curriculares e de cobrar resultados desse reduto do não saber e do não ensinar. Prioritário, ali, é “construir a cidadania”, sabe? Mas, como era de se antever, o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujos excessos são frutos da mesma ideologia malsã, acabou com a disciplina. E os educadores formados segundo essa pedagogia estão sendo vítimas do que aprenderam, sofrendo nas mãos dos alunos que pretendiam “transformar” em cidadãos comprometidos com suas causas.
Vale a pena ouvir esses professores. Sua fala é franca e transparente. O exército dos colegas é dócil ao seu toque de sineta. Clamam por outros alunos, outros pais de alunos, outras escolas, outro salário, outros governantes, outro país, outro planeta. Mas até sua revolução lhes sai pela culatra porque perpetuam os miseráveis na miséria da ignorância. E os alunos das poucas escolas que ensinam, de cujos professores se cobram resultados, olham o próprio futuro com otimismo. Isso não é justo.
(Zero Hora, 24/10/2009)
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