Ainda será necessário muito tempo para o Brasil se recuperar da consternação e da indignação causadas pela tragédia que ceifou a vida de mais de 200 pessoas — a maioria delas na flor da juventude — na cidade gaúcha de Santa Maria.
As causas do desastre estão mais do que claras e discuti-las não aliviará a dor das famílias nem de qualquer pessoa que se coloque no lugar delas. Mas é preciso pôr todos os dedos nessa ferida.
As causas começam na estupidez de quem acendeu um sinalizador num ambiente fechado, prosseguem na irresponsabilidade de quem explora uma casa noturna para mais de mil pessoas sem se preocupar em instalar uma saída de emergência e passam, é evidente, pela falta de compromisso das autoridades e funcionários públicos que deixam uma boate funcionar em tais condições… A cadeia de responsabilidades é extensa – diretamente proporcional à dimensão da tragédia.
A dor aumentará à medida que os mortos começarem a ganhar biografias e ter suas histórias pessoais reveladas em meio aos números assustadores da tragédia.
Nada, no entanto, apagará uma realidade desconfortável: parte dessa carnificina se deve à eterna mania nacional de acreditar que o pior pode acontecer na casa do vizinho, mas nunca na casa da gente e que, diante de um problema, apostar no improviso é a melhor solução. Pouca gente acredita na prevenção – sobretudo se ela exigir planejamento, visão de longo prazo e investimentos.
Pouco mais de 11 anos atrás, uma cascata pirotécnica tão imbecil quanto o sinalizador de Santa Maria matou sete e deixou 300 pessoas feridas numa casa noturna em Belo Horizonte.
Se aquilo que aconteceu na capital de Minas tivesse servido de lição para as autoridades que cuidam da segurança em casas de espetáculos e levado à adoção de normas de segurança mais rígidas e num trabalho de fiscalização mais sério e eficaz, as mortes em Santa Maria teriam sido evitadas.
A única diferença entre as duas tragédias é o número de mortos. Em todo o resto, elas são idênticas: há sempre uma grande carga de descaso por trás de cada tragédia que comove o país – do naufrágio do Bateau Mouche, que matou 55 pessoas no réveillon de 1988, ao desastre com o jato da TAM, que custou 199 vidas em julho de 2007.
O problema é cultural e vai desde as práticas que ameaçam diretamente a vida de pessoas – como nessas tragédias mencionadas – até os problemas da economia ou da infraestrutura.
Primeiro as pessoas pecam por negligência e por imprevidência; elas deixam a tragédia acontecer e depois dizem que é inadmissível que algo tão previsível possa ter acontecido. A tragédia de Santa Maria foi um desastre que tocou fundo o país. Mas, enquanto a mentalidade do jeitinho prevalecer sobre a precaução e o planejamento, outros desastres semelhantes acontecerão. Infelizmente.
Fonte: Brasil Econômico, 29/01/2013
Parece que todo brasileiro é escritor. Ele olha a própria vida na terceira pessoa, e nunca faz parte da própria história.