Uma discussão que pode azedar a relação entre segurado e seguradora é a determinação do valor da indenização, em função do valor do bem atingido. E a questão fica mais complicada quando se trata de perda total.
Por incrível que possa parecer, quando o problema surge, é aí que a seguradora e o segurado deixam de estar de acordo. Para o cidadão comum é lógico ele ser indenizado pelo valor do produto novo, já para a seguradora é lógico que o segurado receba o bem pelo seu valor de mercado.
O duro é que as duas leituras estão corretas. O segurado não imagina que o seguro possa indenizá-lo pela perda de um bem usado pagando o valor de mercado desse bem. Para ele, ao fazer o seguro de um computador ou de um televisor, o correto, no caso de sinistro é o seguro lhe entregar um bem novo e não um equipamento usado. Afinal, ele não faz o seguro para receber um televisor usado. Pelo contrário, a ideia é justamente a de que, no caso da perda total, ele receberá um novo.
De seu lado a seguradora parte da premissa, correta, de que todo bem, tão logo deixe a loja, começa a desvalorizar. Portanto, quanto mais velho, maior a desvalorização.
Assim, sob a ótica da seguradora, não tem sentido, no caso de uma perda total, um televisor com cinco anos de uso ser indenizado pelo valor de um televisor novo. O aparelho segurado não valia isso.
Já vi casos em que, durante a regulação do sinistro, o conceito de desvalorização foi levado a patamares sem sentido. Como parte desse trabalho é feito por empresas terceirizadas, que são remuneradas com base na economia gerada para a seguradora, alguém decide aplicar a depreciação e um liquidificador que, novo, custa R$ 50, acaba indenizado por R$ 42,50. É a economia que custa caro. Inclusive porque também já vi segurado entrar com ação judicial contra a seguradora para receber R$ 7,50 porque não concorda com os R$ 42,50 e quer receber R$ 50, que é o preço do liquidificador novo. Em outras palavras, a economia é muito menor do que os gastos com custas judiciais, advogados, etc.
Como se vê, há situações em que, ainda que legal, a aplicação da desvalorização, no final, vai custar muito mais caro do que o preço do equipamento novo, porque a companhia terá de suportar todos os custos judiciais, e com fortes chances de perder o processo.
No caso do seguro de automóveis a questão está relativamente apaziguada pela introdução da tabela Fipe, com base na qual o segurado determina qual o valor que ele deseja receber se o seu veículo sofrer uma perda total, seja por roubo, seja por acidente. A tabela Fipe foi uma solução pragmática e inteligente, que colocou fim numa discussão jurídica que, pelas interpretações possíveis, ia se transformando em prejuízo do segurado e das seguradoras, afetando todo o mercado.
Através dela, criou-se uma parametrização máxima e mínima para o valor de um determinado bem. Como quem determina qual o parâmetro a ser utilizado é o segurado, toda a carga de subjetividade envolvida na avaliação de um bem deixou de impactar o processo. Aplica-se ao valor do carro o porcentual escolhido e pronto, não há outro ponto capaz de gerar discórdia.
Mas a situação não é tão simples quando se trata do seguro de incêndio. É preciso ter claro que não é função do seguro pagar o valor de mercado de um imóvel. Seguro trabalha sempre com valor de construção, aplicada a depreciação pelo tempo e pela conservação. É uma conta complexa porque, em caso de sinistro, o valor da reconstrução pode ficar mais alto do que o valor do imóvel depreciado, já que não há como fazer sua reconstrução com material usado.
Mas este problema pode ser minimizado com a mudança da forma de cálculo atualmente adotada. Ela poderia ser simplificada pela adoção de uma tabela porcentual a ser aplicada sobre o valor real do bem, com patamares máximos e mínimos escolhidos pelo segurado. Como no caso do seguro de automóveis, passaria a ser uma questão de índice predefinido.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/04/2013
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