Lei de Mercado de Capitais, aprovada no ano passado, permite designar um interventor estatal quando “forem vulnerados os interesses de acionistas minoritários”, no caso do grupo de comunicação, o próprio Estado
BUENOS AIRES – Nos últimos dias, todas as empresas do grupo de meios de comunicação Clarín, o mais importante da Argentina, reforçaram suas medidas de segurança, em meio a fortes rumores de uma eventual intervenção estatal que estaria sendo preparada pela Comissão Nacional de Valores (CNV). A decisão final ainda não foi tomada e depende exclusivamente da presidente do país, Cristina Kirchner. Nos corredores de canais de TV, rádios e jornais do grupo, a sensação é de que a intervenção poderia ocorrer em breve, mas ninguém tem certeza de nada. Nas últimas semanas, a CNV teria enviado várias intimações ao grupo, com o objetivo, segundo jornalistas locais, de armar um expediente interno que justifique uma intervenção.
Se tornar-se realidade, a medida será possível graças à aprovação da Lei de Mercado de Capitais, aprovada no final do ano passado. O artigo 20 do texto legislativo concede à CNV a faculdade de designar um interventor estatal quando “forem vulnerados os interesses de acionistas minoritários”, neste caso, o próprio Estado. Com a estatização dos fundos privados de aposentadoria, as antigas AFJP`s, em 2009, o Estado obteve ações do grupo Clarín que antes estavam em poder das AFJP´s e foram transferidas para o ANSES, o INSS local.
— Nossa sensação é de que estão montando um expediente para justificar a intervenção, mas não sabemos quando será. Só Cristina sabe — disse o jornalista Adrián Ventura, do jornal “La Nación” e do canal “Todo Notícias”, do grupo.
Para ele, “uma eventual intervenção será similar ao que fizeram na Repsol. Chegará um interventor do Estado e afastará os antigos diretores. A partir daí, tudo será possível”, até mesmo a suspensão de programas e demissão de jornalistas.
A Lei de Mercado de Capitais foi aprovada no Senado por 43 votos a favor e 19 contra. A iniciativa contou com o apoio de setores da oposição, entre eles a Frente Ampla Progressista (FAP) e foi questionada pela União Cívica Radical e o peronismo dissidente. Na época, ninguém imaginava que a nova lei poderia ser usada por Cristina para ampliar o cerco à imprensa.
No domingo, a deputada opositora Elisa Carrió enviou uma carta ao presidente da CNV, Alejandro Vanoli, pedindo que o organismo se “abstenha” de avançar numa intervenção do grupo Clarín “porque estaria violando a Constituição Nacional e a Convenção Americana de Direitos Humanos”. Na carta, a deputada afirmou que “diante da informação certeira de que a CNV está avaliando proceder com a intervenção de grupos empresariais a partir de uma estratégia nacional de aniquilar a liberdade de expressão” ela considerou sua obrigação “advertir ao organismo que está vedado para qualquer órgão estatal restringir a liberdade de imprensa”.
Há quase 3 semanas, funcionários do governo K, entre o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, participaram, de forma compulsória, de uma assembleia de acionistas do grupo. Detalhe: a delegação oficial esteve integrada, também, por Vanoli.
Expropriação da Papel Prensa também preocupa
Além dos rumores sobre intervenção do Clarín, também existe grande preocupação entre opositores, jornalistas e donos de meios de comunicação pela apresentação no Congresso de um projeto para expropriar a Papel Prensa, controlada pelo “Clarín” e “La Nación”. Paralelamente, nos últimos dias jornalistas do grupo sofreram inesperadas inspeções da AFIP (a Receita Federal local) em suas casas. Em outro incidente recente, a empresa Cablevision, principal fornecedora de TV a cabo do país, também do Clarín, foi baleada.
— O governo já controla a importação e exportação de papel (por lei), agora pretende expropriar a principal empresa que produz papel no país, algo inédito em nossa História — assegurou o gerente de comunicações do grupo, Martin Etchevers.
Para ele, “todas estas medidas buscam desviar a atenção sobre os escândalos de corrupção contra empresários e funcionários kirchneristas, além de reforçar o controle à imprensa”. O projeto de expropriação da Papel Prensa foi criticado por associações como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entre outras.
Às 21h, a redação do jornal “Clarin” estava reunida para discutir que medidas tomar contra a possível intervenção do governo. Felipe Herrera, filha da dona do grupo Clarín, Ernestina Herrera de Noble, também participa da reunião.
Fonte: O Globo
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