Pesquisador de Harvard cita Brasília como exemplo de isolamento
SÃO PAULO – Brasília é uma das capitais mais isoladas do mundo, e essa blindagem colabora com a corrupção. Esta é a análise do pesquisador Filipe Campante, professor associado de Política Pública da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Um estudo realizado por Campante e pelo pesquisador da FGV Bernardo Guimarães estabelece uma relação entre o isolamento das capitais e o crescimento da corrupção, a partir principalmente de constatações aferidas em cidades americanas. Em outro levantamento no mesmo estudo, a capital do Brasil aparece entre as dez mais isoladas do mundo.
— Quanto à qualidade de governança, que inclui corrupção, entre outras medidas, de acordo com os critérios do Banco Mundial, o Brasil fica pelo meio do caminho. Porém, a qualidade é um pouco pior do que se poderia esperar dado o nível de desenvolvimento do país (calculado pela renda per capita) — afirma Campante.
Para o professor de Harvard, o grande problema do isolamento é que o poder público fica blindado contra a pressão popular. Além disso, os cidadãos tendem a se preocupar mais com o que ocorre a sua volta. Os acontecimentos de Brasília, nesse caso, acabam se tornando distante para os eleitores.
— É preciso ter atenção redobrada onde existe tendência ao isolamento. A capital isolada deixa o governo muito insulado. Brasília fica mais blindada da vigilância e da cobrança da população — analisa Campante.
Juscelino previa protestos distantes
O pesquisador de Harvard lembra que um dos argumentos para o presidente Juscelino Kubitschek para construir Brasília e tirar a capital do Rio de Janeiro foi o afastamento do governo das manifestações populares.
— Ele dizia que, no Rio, até uma greve de bonde ameaçava o presidente da República. Já cheguei a pensar que a transferência da capital para Brasília fosse um desastre para o país, mas hoje penso diferente, porque o país tem hoje mais estabilidade política.
Um exemplo citado por Campante é Buenos Aires, capital política e principal centro urbano argentino, sempre marcada por manifestações, protestos e os famosos panelaços diante da Casa Rosada, sede do governo. Para ele, ao mesmo tempo em que a cobrança pública é muito maior em relação ao poder, por outro lado, o país acaba passando uma imagem de instabilidade que nem sempre é real.
— Com mais facilidade de protestar diante da sede do governo, Buenos Aires passa uma temperatura irreal do país porque uma parte dessa pressão pública tem custos políticos.
Ainda segundo Campante, talvez por ter mais dificuldade de se manifestar diante do governo e das esferas de poder em Brasília, o brasileiro alimente sua imagem de que fica passivo diante de escândalos. Para ele, “mesmo que milhares de pessoas se manifestem pela internet, centenas de pessoas batendo panelas têm um impacto muito maior”.
— Quanto menos proximidade os políticos têm dos eleitores, quanto menos o eleitor convive com seu deputado, seu senador, mais liberdade o agente público tem para agir. Não sabemos quantificar em que medida esse isolamento incide sobre a corrupção, mas sabemos que ele colabora para que ela ocorra — concorda o cientista político Carlos Melo, do Insper, de São Paulo.
Para Carlos Melo, ferramentas como a internet ajudam na fiscalização e na cobrança sobre o poder público, mas ainda são instrumentos incipientes.
O historiador Marco Antonio Villa, da UFSCar, também vê o isolamento como problema no país:
— Em locais isolados, você consegue construir e petrificar, mais facilmente, uma relação antirrepublicana entre os três Poderes, como podemos observar em estados do Norte e Nordeste. Temos uma imprensa nacional forte, mas isso não inibe que os poderes locais continuem se locupletando.
Para Villa, se a capital brasileira continuasse no Rio, “a História do Brasil seria diferente”:
— Quando transferiram a capital para Brasília, retiraram a participação popular. Mas, no Brasil, a corrupção não se explica apenas pelo isolamento da capital. O problema é mais complexo. A meu ver, está no período da transição para a democracia. Avançamos com a Constituição de 1988, mas ainda não consolidamos as instituições democráticas. Nossa sociedade é frágil e o Estado é muito forte. A sociedade é amorfa — afirma o historiador.
Pelo estudo de Campante, as capitais isoladas que mais apresentam problemas de corrupção são as de Estados não democráticos ou de democracia ainda titubeante. Nos locais onde a democracia está mais consolidada, esse distanciamento não consegue interferir na incidência de corrupção. Ele cita Washington, capital dos Estados Unidos, como um bom exemplo. Se levar em consideração a distância média da população, Washington seria a mais isolada, seguida de Brasília, uma vez que são países de grande extensão territorial.
— Mas a democracia nos Estados Unidos está mais consolidada, o que torna o problema da corrupção menos sério. O Brasil é uma democracia mais jovem — diz Campante.
Fonte: O Globo
Se na Argentina que tem governo próximo da população está como está, que Brasília continue bem distante… Desculpem-me a brincadeira.