Como dilapidar uma herança. Assim se inicia o editorial da última edição do semanário britânico “The Economist”. Narra a triste história de um país latino-americano que, há vinte anos, fez uma dolorosa arrumação da casa. Um profundo ajuste macroeconômico possibilitou que, alguns anos mais tarde, usufruísse da extraordinária bonança externa, finda em 2011. A herança dilapidada assim, sem mais nem menos, lembra a história de Costa, “cidadão digno”, “um dos mais estimados de Itaguaí”, que herdara de D. João V vultosa quantia. Uma renda que bastaria para viver “até o fim do mundo”. Costa não soube administrar sua sorte. Gastou toda a herança em investimentos duvidosos e acabou internado na Casa Verde pelo Alienista de Machado de Assis.
Não se sabe se a herança que o Brasil recebeu de Fernando Henrique Cardoso, cultivada pelo ex-presidente Lula no seu primeiro mandato, daria para viver “até o fim do mundo”. Mas, decerto, se tivesse sido preservada com mais diligência pelo Lula do segundo mandato e, sobretudo, por sua sucessora, o país não estaria hoje “atolado no lamaçal”, como disse a matéria da revista britânica. Tampouco se defrontaria com uma reavaliação negativa da agência de risco Standard & Poor’s, que elevou o Brasil ao nirvana do grau de investimento em 2008, rebaixou os EUA em 2011 e acaba de dar um tom otimista à recuperação do país de Obama.
Enquanto chafurda no lodo de medidas que desarticularam as contas públicas brasileiras, motivo para que até os interlocutores mais próximos da presidente a critiquem duramente, o real se enfraquece. Há muito não se discutia o impacto de desvalorizações do câmbio, provenientes de problemas externos e internos, sobre a inflação. Afinal, faz pouco tempo, a moeda brasileira ganhava força e era, inclusive, vista como uma possível candidata, num futuro distante, ao nobre posto de moeda de reserva internacional, ao lado do iuane dos chineses. Não mais.
O câmbio e a inflação sempre foram os eternos sintomas de nossos desequilíbrios. Deixaram de sê-lo por um breve período – de 2008 a meados de 2011. Durante esse tempo, vivemos uma situação inédita no País: fomos capazes de reduzir os juros em resposta a um cenário externo adverso. No passado não era assim. Antes de 2008, sempre que enfrentávamos um forte contravento internacional, éramos forçados a elevar os juros para impedir que a desvalorização da moeda ocasionada pela saída de recursos do País prejudicasse demais a estabilidade de preços.
Dito de outro modo, país sólido é aquele que pode usar a política monetária – e, em certas circunstâncias, também a política fiscal – para evitar que um choque externo tenha fortes repercussões sobre a atividade, sem se preocupar com os estragos inflacionários do câmbio. Ou seja, país sólido é aquele que pode reduzir os juros quando enfrenta esse tipo de problema. Não é à toa que o Brasil é incansavelmente comparado ao México e ao Chile. Tanto um quanto outro têm sofrido com o fortalecimento global do dólar. Mas o México reduziu os juros em abril e manteve a taxa em maio, enquanto o Chile tem deixado os juros estáveis, porém acumula um espaço considerável para diminuí-los. A inflação por lá é de apenas 1% – dois pontos porcentuais abaixo da meta de inflação.
Se país sólido é aquele que pode reduzir os juros quando sua moeda se enfraquece, porque tem um quadro fiscal que ajuda a ancorar os efeitos inflacionários da desvalorização, o que é o Brasil de Dilma e de Guido Mantega? Decerto não é o país do déficit nominal nulo, que a presidente julga ser “rudimentar”. É o país da infraestrutura que não sai do papel, das contas externas que se deterioram, do fiscal em estado de degradação, do crescimento que não deslancha. E, também, da inflação que não cede, do real que se desvaloriza, mesmo com a remoção dos controles de capital, e da bolsa que cai.
Talvez tudo isso force nossas autoridades a mudar de rumo. Talvez não. Afinal, diz o ditado: “Desgraça pouca é bobagem”.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/06/2013
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