Das opções disponíveis para organizar as sociedades, o mercado parece combinar aumento de bem-estar com liberdade de escolha. Talvez pela flexibilidade tenha sido a opção predominante. Para que economias de mercado funcionem plenamente, entretanto, é preciso que estejam inseridas em regimes democráticos. As ditaduras, sejam quais forem, geram distorções que esgaçam o tecido social, tornando inviável, em algum momento, o convívio. Neste Dia Internacional da Democracia e diante dos recentes protestos que se espalharam pelo Brasil, ponho-me a refletir sobre nossa obsessão em buscar privilégios para alguns em detrimento da maioria.
Nossa convivência com a democracia, a bem dizer, não é lá algo intrínseco ao nosso modelo de sociedade. Ao longo da República, flertamos diversas vezes com regimes totalitários. Mesmo hoje ainda temos dificuldades em entender como a democracia pode funcionar. Temos problemas de representatividade, instituições frágeis, processos de escolha conturbados e uma série de outros problemas que engessam a nossa economia de mercado. Em vez de termos aprofundado nossa democracia, preferimos segmentar nossas opções.
E aí se insere a opção por “meias-entradas”, como bem descreveu recentemente o economista Samuel Pêssoa, inspirado no artigo “Democracy and Growth in Brazil” dos também economistas Zeina Latif e Marcos Lisboa. Em outras palavras, ao contrário de perseguirmos igualdade de oportunidades para todos na saída, minimizando assim o impacto das circunstâncias (educação dos pais, local de nascimento, gênero etc.) no resultado que as pessoas alcançam, preferimos privilégios e benefícios para alguns. É assim que preferimos investir cinco vezes mais em educação superior para ricos do que investirmos em educação básica para os pobres.
Preferimos, leitor, financiar alguns poucos escolhidos via subsídio do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] do que construir um mercado privado de crédito. Ou então criamos renúncias fiscais para o setor automobilístico, congestionando nossas estradas, em vez de investirmos em transporte público. Nossas opções políticas, afinal, não são horizontais, não beneficiam a maioria. Pelo contrário, são voltadas para pequenos grupos. Nossa democracia é, nesse aspecto, frágil, com baixa capacidade de resolver o problema de alocar recursos escassos frente a necessidades infinitas, fazendo com que a nossa sociedade enfrente inúmeros desafios.
Não por outro motivo, essa sociedade está indo às ruas. Ao que parece, cansou de assistir às inúmeras distorções geradas por um sistema político viesado. Entretanto, não busca resolver as causas desse problema com uma reforma política, por exemplo. Ela quer mais “meias-entradas” ou, pior, “passes-livres”, como se o orçamento público fosse ilimitado.
Nesse contexto, ao contrário da resposta fácil, que consiste em colocar políticos de um lado e sociedade do outro, como se aqueles representassem o mau e esta, o bem, há uma simbiose inescapável entre um e outro. A opção da sociedade brasileira é por rent-seeking, isto é, pela busca de privilégios e benesses para alguns em detrimento da maioria. A opção não é, pelo contrário, por igualdade de oportunidades, por resolução dos conflitos econômicos e por mais liberdade de escolha.
Nossa jovem e frágil democracia parece não entender o conselho de Machado de Assis em crônica publicada na Gazeta de Notícias em 1888: “Não se pode ir à Glória sem pagar o bonde”. As escolhas que fazemos enquanto sociedade refletem-se em distorções que pedem mais intervenção e geram novos problemas. Esse ciclo vicioso acaba em protestos, insatisfação e conflitos. A democracia brasileira precisa, assim, de um norte que resolva de uma vez por todas essa busca por privilégios: ela necessita urgentemente de um sistema público de educação básica universal e com qualidade. Sem isso, continuaremos em busca de bolsas e migalhas de toda a espécie.
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