Tenho inúmeros e caríssimos amigos e parentes funcionários públicos ou assemelhados. Por favor, não pensem que aqui vai qualquer conotação pessoal. Para mim os amigos serão sempre as exceções que justificam a regra. E estas são simples observações de caráter institucional, sem nenhum viés particular.
A má qualidade dos serviços prestados pelo Estado brasileiro é unanimidade nacional. Em todos os níveis federativos e nas mais diversas atividades estatais o deplorável atendimento ao público, o desprezo pela dignidade humana, a decadência de instalações e a empáfia dos servidores são constatações que saltam aos olhos. Diariamente a imprensa registra tais chagas. As raras exceções apenas confirmam o preceito: o Estado no Brasil funciona muito mal.
A razão última, estrutural mesmo, de tal situação dificilmente é abordada por comentaristas, estudiosos, acadêmicos, jornalistas e cientistas políticos ou sociais. Trata-se de autênticos tabus: a estabilidade do funcionário público, a segurança vitalícia no emprego e a certeza de aposentadoria integral, como os outros brasileiros não têm.
A implicação maior de tais institutos é a desnecessidade de competir, de demandar eficiência e aprimoramento pessoal. Essas características só são necessárias uma única vez, no concurso de admissão. Aprovado, empossado e estável, desde que não faça qualquer loucura, o funcionário se sente seguro pelo resto da vida, e nem se importa em demonstrar diligência ou energia. É suficiente cumprir os rituais burocráticos impostos às funções, repousar na proteção sempre fornecida pela respectiva corporação de funcionários e seguir lutando por plano de carreira que o promova, automaticamente, por inércia.
Ora, os empregados públicos são mulheres e homens normais, tanto quanto quaisquer outros. Portanto, a eles se aplica regra elementar da natureza humana: a lei do menor esforço. Por que se desgastar se o salário estará garantido no final do mês, mesmo que as tarefas funcionais sejam mal executadas? Para que agradar a clientela, do outro lado do balcão, se ela é compulsória e não tem alternativas? Por que se esforçar se não há a ameaça de perda do emprego por desídia ou mau desempenho?
A partir da tomada de posse, o funcionário público vira proprietário de seu emprego. Ele é patrão e empregado simultaneamente. Não deve satisfações a quem quer que seja e, pior, não tem preocupação com a origem do pagamento. Suas prerrogativas estão asseguradas desde que assine o ponto. Tive um queridíssimo amigo que o fazia apenas uma vez por mês, na diagonal da folha com 30 linhas, e no dia em que um cupincha da repartição lhe levava em casa o contracheque. E não se diga que existem hierarquia e disciplina. Isso é coisa para militares, não para civis.
Como está concebida, a estrutura do serviço público no Brasil é rigorosamente inviável e inadministrável. As cúpulas sobrevivem no máximo a cada período eleitoral de quatro ou oito anos, se houver reeleição, mas são demissíveis ad nutum. E a base, o corpo que presta serviços à população é estável e só pode ser exonerada após longo, senão interminável, inquérito administrativo.
Apesar de absurda, como princípio, juridicamente a prerrogativa de estabilidade foi concebida para ser exclusiva de funcionários estatutários. Entretanto o privilégio não de direito, mas de fato, se estendeu como por osmose aos empregados de empresas estatais, contratados pela CLT. Jamais são demitidos, e se o forem conseguirão a readmissão na Justiça do Trabalho, como aconteceu com assalariados da Interbrás, subsidiária liquidada da Petrobrás. Eram desnecessários, pois a empresa fora extinta, mas a casa matriz se viu obrigada a aceitá-los de volta.
Tais vícios estão incrustadas na vida brasileira desde a Constituição proto-fascista de 1934, agravados pelas Cartas autoritárias de 1937 e 1967, além das democráticas de 1946 e 1988. Mas não julguem os leitores que tenho a ingênua pretensão, ou ilusão, de ver essas distorções solucionadas. Acho que são insanáveis, Apenas me sinto na obrigação de apontá-las, pois são as causas últimas do mau funcionamento do Estado brasileiro.
Fonte: Instituto Liberal
Disgnóstico perfeito
Excelente análise, pois enfoca as causas da deficiência dos serviços essenciais outorgados ao Estado, especialmente educação e saúde. Mas faltou acrescentar o seguinte: o modelo político é quem determina o perfil das empresas estatais. Sendo dirigidas por delegados nomeados por partidos no governo, estas empresas ficam orientadas para atender a agenda de um poder que não tem nada a ver com seus objetivos. Por isso, alienam o poder de decisão, subjugando as políticas públicas ao calendário eleitoral, causando o caos administrativo de alto a baixo. O segundo aspecto que faltou sublinhar, é o nosso nacionalismo demagógico, subproduto do próprio modelo político, que só enxerga o interesse nacional na empresa estatal. Assim, o estatismo se torna a voz corrente do atraso, pois implica na manutenção de uma estrutura cuja consequência prática é a pilhagem dos recursos produzidos por impostos pagos pela sociedade. Aí entra a aliança com o marxismo, de cuja simbiose padecemos sem trégua.