A proposta que muda o índice de correção das dívidas de estados e municípios com a União, aprovada na quarta-feira pela Câmara, pode representar um risco ao equilíbrio das contas públicas. Esta é a avaliação que consta de acórdão aprovado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em agosto. Segundo o TCU, ao aliviar as dívidas dos governos regionais, a mudança do indexador acabará tendo um peso maior sobre a dívida federal. Isso porque o valor pago pelos estados e municípios é usado para amortizar o endividamento federal. A alteração ainda criaria um precedente perigoso, pois seria “incentivo ao endividamento excessivo no presente com base na crença de socorro financeiro futuro, criando um problema de risco moral”, como afirma trecho do voto do ministro-relator Valmir Campelo.
No texto, o TCU destaca que até o Tesouro Nacional se posicionava contra as mudanças nos contratos alegando que resultaria “em aumento do ônus suportado pela União” e que “em caso de frustração dessas receitas, a União teria que endividar-se no montante equivalente para compensar a redução desses recursos”. O Tribunal pede ainda que o Tesouro informe qual será o impacto da mudança.
Segundo especialistas, a mudança de regras pode colocar em risco o rating do país. Em junho, a agência Standard & Poor’s colocou a avaliação do Brasil em perspectiva negativa. Procurado nesta quinta-feira, o Ministério da Fazenda afirmou que o projeto de renegociação não coloca em risco a gestão da dívida pública federal, destacando que estados e municípios não serão autorizados a emitir títulos da dívida.
Na avaliação do TCU, a proposta não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), pois também se trata de projeto de lei complementar. Isso significa que ambas teriam a mesma natureza hierárquica. Mas para a presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira da Silva, as regras são contraditórias:
– O que se discute é uma medida contrária ao instrumento da LRF que visava evitar o descontrole das contas públicas. Não dá para, a cada década, a União fazer novas rodadas de refinanciamento.
Cidade de São Paulo é a maior beneficiada
Pela proposta aprovada, a partir de janeiro de 2013, as dívidas serão corrigidas pela Taxa Selic ou pelo IPCA mais 4% ao ano, o que for menor. Hoje, o indexador é o IGP-DI mais 6% a 9% ano, o que pesa sobre as contas dos estados e municípios. O texto deu ainda outra vantagem, a de revisão dos estoques até o final de 2012. Neste caso, o Tesouro fará uma simulação e se a Selic do período for mais vantajosa para a correção da dívida, ela substituirá o indexador do contrato.
O Tesouro não informa qual será o impacto total da mudança no estoque das dívidas, que hoje somam R$ 462 bilhões, segundo relatório do Tesouro do fim de abril. Até quarta-feira, no entanto, o Congresso trabalhava com o número de R$ 468 bilhões. Além disso, os subsídios concedidos a partir da renegociação de dívidas em 1997 chegam a R$ 230 bilhões. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já adiantou que os débitos devem ter uma redução de R$ 15 bilhões já em 2013.
Segundo dados da assessoria técnica do PSDB, entre os municípios, São Paulo é o grande beneficiário, com desconto de quase 37% no estoque da dívida e, entre os estados, os mais favorecidos seriam Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas, Pará e Distrito Federal. Os técnicos explicaram que a maioria dos estados que fecharam contrato em 1997 com correção pelo IGP-DI mais 6% de juros não terá ganho com a mudança. Este é o caso do estado de São Paulo, que tem a maior dívida com a União, no valor R$ 166,8 bilhões em 30 de abril.
Aécio: passo tímido, mas medida positiva
O Rio teria vantagem porque firmou o contrato mais tarde, em 1999. Segundo os técnicos, o estado teria um desconto de 4,79% na dívida, cujo estoque é de R$ 66 bilhões, ou seja, queda de R$ 3,2 bilhões. Neste caso está o Distrito Federal, com redução de 6,14%, de uma dívida de R$ 1,43 bilhão. Em contratos com correção de 7,5%, os beneficiados seriam Minas Gerais, com redução de 7,66%; Pará, com redução de 9,19% e Alagoas, com redução de 12,57%.
Ao participar na quinta-feira de sessão de debate sobre o pacto federativo no Senado, Mantega defendeu a proposta e disse que ela não viola os termos da LRF:
– A dívida dos estados e municípios crescerá a um ritmo mais lento e mais compatível com a nova realidade de juros da economia brasileira. Adotar a Selic é um bom senso que deve ser praticado – disse o ministro, acrescentando: – O projeto da Câmara apenas mexe com indexadores. Não concordamos em nenhuma mudança que mexe com a LRF. Ela deve ser preservada integralmente. Mas não é repactuação e nem renegociação.
A proposta tem apoio até do principal adversário de Dilma nas eleições de 2014. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a mudança é tímida, mas que é um passo pelo qual o partido luta há anos:
– A proposta é apenas um pequeno e ainda tímido passo na direção daquilo que temos defendido ao longo de anos: a repactuação, a refundação da federação. É positiva essa medida, mas precisamos dar outros passos vigorosos para que municípios e estados readquiram eles próprios as condições de atender a suas demandas.
O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Lindbergh Farias (PT), disse que colocará em votação na próxima semana o projeto de lei que muda os indexadores dos contratos de dívidas e o de criação de fundos de compensação para estados com o fim da guerra fiscal. Após passar pela CAE, as propostas precisam ser votadas no plenário do Senado. Mas Lindbergh já recebeu o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), que se comprometeu a agilizar a votação. Governadores, como Tarso Genro (RS) e André Puccinelli (MS), pediram a Renan a aprovação imediata.
Secretária de Fazenda do município do Rio na época da renegociação da dívida dos anos 90, Sol Garson avalia que já é hora de trocar o indexador:
– O IGP-DI é muito influenciado pelo dólar, enquanto a receita de prefeituras e estados varia muito mais com o IPCA. É razoável a troca.
Fonte: O Globo
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