O Brasil tem sido apontado como um lugar perigoso para o livre exercício da imprensa, segundo relatórios de organizações como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e a Associação Brasileira de Empresas de Radiodifusão e Televisão (Abert). Em 2013, ano em que a Constituição completou 25 anos, o país ganhou destaque no site da ONG internacional Repórteres sem Fronteiras por registrar graves casos de violência contra jornalistas.
Para o presidente da Abert Daniel Slaviero, a sociedade é a mais prejudicada pelo crescente número de agressões à liberdade de imprensa, que aumentaram exponencialmente após as manifestações de junho, segundo o especialista. Nesta entrevista, Slaviero comenta a violência do Estado e critica projetos autoritários que, segundo ele, são contrários à livre iniciativa.
Leia a entrevisa.
Instituto Millenium: Um relatório divulgado pela Abert no Congresso Internacional de Radiodifusão chamou atenção para 136 violações contra veículos de comunicação em 2013 no Brasil. Em 2012 foram registradas 51. Em sua opinião, qual é o motivo desse aumento?
Daniel Slaviero: Este ano será marcado como um ano sombrio para a liberdade de expressão e de imprensa no país. O aumento do número de violações contra jornalistas e empresas de comunicação aconteceu após a onda de protestos iniciada no mês de junho, onde minorias infiltradas nas manifestações agrediram profissionais de imprensa. No entanto, a grande maioria desses ataques partiu de policiais, o que nos faz refletir sobre o papel do Estado em coibir excessos e respeitar o trabalho dos profissionais de imprensa.
As manifestações ocorreram em virtude das redes sociais, mas elas só ganharam tamanha dimensão e repercussão por que foram amplamente cobertas pela mídia. Esses ataques são um contrassenso, ainda mais no ano em que a Constituição brasileira faz 25 anos. É um claro sinal de que as liberdades de expressão e de imprensa não estão plenamente consolidadas em nosso país.
Imil: A violência da polícia contra a imprensa é reflexo apenas do despreparo da instituição?
Slaviero: O Estado deve saber separar o trabalho da imprensa dos manifestantes e coibir qualquer tipo de violência. Esses ataques são de determinados agentes que querem impedir o pleno exercício da imprensa, seja para omitir a forma como os manifestantes estavam sendo reprimidos, seja pelo simples desprezo ao jornalismo.
Desde junho há casos emblemáticos, como o jornalista da “Folha de S. Paulo” que perdeu a visão com um tiro de bala de borracha e da fotógrafa do “Correio Braziliense” que foi vítima de spray de pimenta sem nenhum motivo aparente. Quando um profissional ou veículo de comunicação é impedido de exercer sua função quem mais perde é a sociedade.
Imil: Jornalistas também foram impedidos de trabalhar por causa de manifestantes. Parece que alguns setores da sociedade fazem ataques difusos contra o exercício jornalístico.
Slaviero: É uma minoria. Os civis que fazem ataques à imprensa não estão lá para se manifestar e sim para quebrar agências bancárias e destruir o patrimônio público. Falamos de uma minoria restrita que nutre um sentimento de baderna e considera a atividade jornalística ruim. Não percebemos um ranço contra o trabalho da imprensa como um todo.
Imil: Existem, atualmente, mais tipos de ataques à imprensa vindos do Estado brasileiro?
Slaviero: A censura judicial é outro ponto extremamente preocupante. É do Judiciário, um dos poderes do Estado, cuja função é zelar pela Constituição, que surgem decisões que controlam a circulação de conteúdo. Há casos relevantes como o do presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, que proibiu a “Gazeta do Povo” de noticiar investigações do CNJ a seu respeito. O “Diário de Goiás” também foi recentemente censurado pelo governador Marconi Perillo. Isso revela que o jornalismo é censurado de onde menos se espera.
Imil: Determinados setores da sociedade civil estão se organizando para definir projetos de legislação e regulamentações para a comunicação social eletrônica. Um deles é o “Para expressar a liberdade”, que propõe limites de propriedade e imposição de questões raciais à comunicação. Como o senhor enxerga essa questão?
Slaviero: O setor de rádio e televisão brasileiro é altamente regulado. Seja pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, pela Constituição Cidadão, pela Lei Geral de Telecomunicações, pelos diversos atos normativos dos ministérios, pela Anatel ou pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, iniciativas que visem atualizar a legislação com base numa visão de futuro, numa questão de novos provedores de conteúdos que não possuem as mesmas responsabilidades editoriais que as mídias tradicionais são bem vindas e devem ser discutidas.
O problema de iniciativas como a do projeto “Para expressar a liberdade”, é que ele tem um viés altamente autoritário, intervencionista e restritivo a liberdade de expressão e de imprensa. Discutir limites à propriedade privada em um momento em que empresas telefônicas prestam múltiplos serviços e a internet surge com um mundo de possibilidades é no mínimo retrógrado. Esse projeto vai contra a livre iniciativa, contra a propriedade privada e contra a liberdade de expressão. Não atualiza a legislação de modo que venha a aperfeiçoar normas regulatórias.
Imil: Uma crítica constante à atual conjuntura dos meios de comunicação é a suposta falta de pluralidade de conteúdo. O senhor concorda com isso?
Slaviero: Isso é um grande mito que grupos organizados utilizam contra o setor de radiodifusão. Hoje nós temos 521 geradoras de televisão e mais de 10.400 retransmissoras. Há 4.400 emissoras de radio comerciais privadas e quase 6.000 emissoras de rádio comunitárias em todo o território nacional. São, ao todo, 14 redes homologadas pela Anatel que geram conteúdo nacional. Em São Paulo há 21 opções de TV aberta. Além disso, temos quase 4.800 jornais e 1.800 revistas, entre diárias, semanais e mensais. Há um claro ambiente de competição. Se uma ou outra emissora tem maior audiência, isso não pode ser combatido por decreto. É uma questão de resultado e competência.
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