3. O movimento conservador
Como visto, o termo “conservador”, atualmente, é utilizado muito mais como um insulto do que como seria sua conotação exata. Em tempos progressistas, em que as outras ideologias querem encaminhar o mundo para “um lugar melhor”, produto de mais liberdade, para os liberais, ou de mais igualdade, para os socialistas, pode-se questionar: o que propõem os conservadores? Em primeiro lugar, uma saudável dúvida a respeito do que deve ser mudado, em contraposição àquilo que precisa ser mantido.
Porém, a simples reserva contra o progressismo e o apreço pela tradição não são suficientes para definir o conservadorismo.
Assim, para chegar a um conceito preciso, Samuel Huntington trata o conservadorismo não como uma postura, refratária a qualquer mudança, mas como uma ideologia, ou seja, um corpo de ideias plenamente identificável. Com esse objetivo, traça três teorias a respeito do tema:
a) teoria aristocrática: o conservadorismo é uma ideologia radicada em um tempo e em um grupo social específico. Nesse sentido, “conservador” é o aristocrata, de mentalidade feudal e agrarista, que se opôs aos liberais e aos socialistas vitoriosos na Revolução Francesa de 1789;
b) teoria autônoma: o conservadorismo não se limita a um tempo e a uma classe em particular, mas é um sistema de ideias que independe do período histórico e dos agentes sociais que o defendem;
c) teoria situacional: o conservadorismo é uma ideologia que requer uma situação específica para se articular como tal. Ele emergeria em ocasiões dramáticas, nas quais as instituições fundamentais da sociedade estivessem em séria ameaça. Nesse ponto de vista, o conservador não defende um ideal de sociedade (como os liberais e os socialistas), mas, pelo contrário, defende aquilo que, na sociedade atual, mantém-se indispensável.
Atualmente, mostra-se sem sentido a teoria aristocrática, uma vez que, em termos históricos, vários personagens fora da aristocracia defenderam o conservadorismo. A questão é saber se essa ideologia tem um conjunto de valores próprios (teoria autônoma) ou se seria apenas uma reação em tempos extremados (teoria situacional).
Elucidando melhor a questão, John Kekes define a proposição básica do conservadorismo: a crença na existência de valores “fundacionais”, ou seja, fundamentais para a sobrevivência de quaisquer comunidades políticas. São também chamados de “primários”, uma vez que são derivados da própria existência da natureza humana. Os conservadores também acreditam ser necessária a preservação de certos valores “secundários”, que não fazem parte da essência da natureza humana, mas são derivados dos primários e formam parte relevante da cultura de uma sociedade. Nas palavras de Coutinho (op. cit., p. 36):
“(…) os “valores primários” habitam uma universo de necessidade moral; os “valores secundários”, um universo de possibilidade moral. Tal significa que é possível uma posição pluralista em que valores fundacionais são condições prioritárias para a existência dos restantes. É possível, em suma, defender mínima moralia (“mínimos morais”) que, embora não determinem aquilo que os seres humanos elegem como fins últimos de vida, não se furtam a afirmar aquilo que eles, enquanto seres humanos, necessariamente não serão capazes de prescindir”.
Portanto, ser conservador é acreditar, em primeiro lugar, na existência da natureza humana, própria da espécie e, portanto, imutável. Esse é o ponto essencial a ser preservado. Isso leva, inevitavelmente, a um direito natural, ou seja, a um conjunto de normas que, independentemente das condições históricas e locais, devem ser obedecidas para que a natureza humana tenha as condições para ser realizada de forma plena.
Natureza humana, entendida como o conjunto de características que todos os seres humanos têm em comum, é um conceito fortemente baseado na filosofia grega (Platão e Aristóteles) e na teologia judaico-cristã (Santo Tomás de Aquino). Sem dúvida, sua formulação foi consolidada com o cristianismo, segundo o qual “todos são iguais perante Deus”. Provavelmente, essa é a principal razão segundo a qual a imensa maioria dos conservadores é cristã. Além disso, a maior parte das ideologias progressistas, liberais e socialistas, acredita na inexistência de qualquer natureza humana ou, paradoxalmente, na possibilidade de “alterá-la” para melhor.
Contudo, ultimamente, a existência da natureza humana tem sido defendida por pessoas que, nem de longe, poderiam ser classificadas como conservadoras. São os evolucionistas, que, a despeito de fundamentá-la na genética e na evolução das espécies, chegam a conclusões bastante semelhantes às mais tradicionais.
Um exemplo notável dessa tendência é o livro “Tábula Rasa – A Negação Contemporânea da Natureza Humana”, escrito por Steve Pinker. Em seu apêndice (p. 587-591), consta uma interessantíssima lista que enumera as características linguísticas e comportamentais presentes necessariamente em todas as sociedades humanas. Entre essas características constam: abrigo; abstração no pensamento e na fala; ações sob autocontrole distintas das não sujeitas a autocontrole; adorno corporal; afeição expressa e sentida; alavanca; ajustes ao ambiente; ambivalência; antônimos; antromorpofização; armas; arte decorativa não corporal; assassinato proscrito; assistência às crianças; atração sexual, etc.
A crença na natureza humana implica uma série de princípios morais a serem seguidos, mas, principalmente, repele qualquer alegação de relativismo moral, ou seja, de que as normas morais seriam completamente dependentes da época histórica e da sociedade e que seriam sempre “negociáveis”. Mais ainda: reconhece a existência de critérios concretos para definir o que é certo e o que é errado.
Da crença na existência da natureza humana, emerge uma característica marcante do conservador: o ceticismo das promessas de um ser humano melhor. Novamente, nos valemos da lição de Coutinho (op. cit., p. 42):
“Na sua resposta, o conservador será um agente ‘cético’; ‘cético’ porque capaz de desaconselhar a persecução do Paraíso na Terra; ‘cético’ porque capaz de pautar sua atividade por uma conduta humilde e prudente; mas ‘cético’, sobretudo, porque interessado em reconhecer a existência de um natureza humana que coloca perante o agente limites morais à sua ação. A afirmação de que os seres humanos procuram valores ou fins de vidas distintos não poderá ignorar aquilo que esses mesmos seres humanos não poderá prescindir.”
(continua na segunda-feira)
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